Votos atirados para o lixo
Rafael Barbosa
Nas últimas eleições legislativas, foram desperdiçados 670 mil votos. As contas são da Iniciativa Liberal, que se propõe corrigir o problema com a introdução de um círculo nacional de compensação. Os liberais vão apresentar um projeto nesse sentido e o objetivo declarado é melhorar a representatividade. Quanto a isso, todos os partidos estarão de acordo. Mas, se a proposta tentar corrigir o problema de proporcionalidade do sistema eleitoral, é fácil perceber que PS e/ou PSD não o vão permitir.
Quando os liberais apontam para 670 mil votos atirados para o lixo estão a fazer as contas a quem, em cada um dos 20 círculos eleitorais, votou num partido que, nesse distrito ou região autónoma, não conseguiu eleger nem um deputado. E basta olhar para o mapa eleitoral de janeiro de 2022, para perceber quão grave é o problema. Em 12 círculos (que correspondem a todo o chamado Interior do país, de Viana do Castelo a Beja, e às regiões dos Açores e da Madeira), apenas os dois maiores partidos elegeram deputados (e em Portalegre só o PS). Há quatro em que um terceiro partido conseguiu furar o cerco (sempre o Chega). Pluralismo parcial só nos quatro grandes círculos (Braga, Setúbal, Porto e Lisboa).
Não se conhecem os detalhes da proposta liberal. Mas, se alguém estiver interessado num sistema que não só não desperdiça votos, como valoriza a proporcionalidade (não por acaso, é um dos países mais desenvolvidos do Mundo e atrai cada vez mais imigrantes portugueses qualificados), vale a pena olhar para os Países Baixos. Tem mais sete milhões de habitantes que Portugal, menos deputados (150 em vez de 230) e, apesar disso, 17 partidos no Parlamento. Qual é o truque? Um único círculo nacional e o recurso ao método do quociente, em que se divide o número de votos válidos (exclui brancos e nulos, que aliás são residuais) pelo número de lugares no Parlamento. Tendo em conta as últimas eleições (2021), 0,66% teria sido suficiente para eleger um deputado (o último partido a consegui-lo teve 0,89%).
Este é um sistema eleitoral que favorece o multipartidarismo e promove os governos de coligação (o atual, que aliás caiu por estes dias, tem dois partidos liberais e dois democratas-cristãos). Mas é para gente com cultura democrática, capaz de dialogar e fazer compromissos. Coisa que falta por cá, nem tanto entre os cidadãos, mas certamente entre as principais oligarquias partidárias.
No comments:
Post a Comment