Tribunal Constitucional não respeita paridade
Um dos argumentos aduzidos para o efeito era o de o Estado ser do sexo masculino, sendo de elementar bom senso que as portadoras de cérebro cor-de-rosa não participassem na eleição dos titulares de órgãos de soberania, nem incarnassem a entidade "Estado" em qualquer posição de responsabilidade e chefia.
Hoje as mulheres têm plena capacidade eleitoral ativa e passiva. São deputadas, ministras, presidentes de câmara, como são magistradas judiciais ou do Ministério Público, diplomatas ou militares de qualquer patente e decidem das suas vidas de forma muito mais autónoma. A paridade foi legalmente assegurada em 2006 nas listas das candidaturas à Assembleia da República, ao Parlamento Europeu e aos órgãos eletivos das autarquias locais, incluindo as juntas de freguesia. Foi alargada em 2017, passando a abranger as autoridades administrativas independentes com função de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo e, em 2019, no que respeita à representação equilibrada entre homens e mulheres no pessoal dirigente e nos órgãos da Administração Pública.
Estranhamente, porém, a composição do Tribunal Constitucional continua a não obedecer ao princípio da representação paritária, não obstante a designação dos seus juízes resultar da votação de uma lista de candidatos pela Assembleia da República ou do Colégio de Juízes por esta eleito, o que lhe confere um acentuado pendor político, fácil de constatar nas morosidades ultimamente ocorridas no processo de cooptação de novos juízes e no de eleição do seu mais recente presidente.
A não-existência na vigente Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, do critério da paridade entre homens e mulheres na composição deste tribunal, especificamente competente para administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, tem gerado um inegável "teto de vidro" na plena participação das mulheres neste órgão de soberania.
Desde a adoção, em 1982, da sua Lei Orgânica, o Tribunal Constitucional ainda não teve uma única mulher a presidi-lo. O número de conselheiras tem sido sempre inferior, nos últimos 40 anos, ao de conselheiros. A composição atual do tribunal é bem expressiva dessa ausência de paridade: 9 juízes homens e 3 mulheres. A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas alertou recentemente o presidente da Assembleia da República para este facto e para a necessidade de se consignar, na lei, o princípio da representação paritária no que concerne à composição deste tribunal.
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Numa sociedade que leve a sério a defesa dos direitos de todos e a tarefa fundamental do Estado de assegurar a promoção da igualdade entre mulheres e homens, constitucionalmente imposta, é imperativo que se altere a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, no sentido da introdução do critério de paridade entre homens e mulheres na sua composição.
Há mulheres professoras de Direito Constitucional e magistradas da judicatura ou do Ministério Público que reúnem, em condições de igual ou superior mérito aos de muitos homens, os requisitos legais indispensáveis para serem juízas no Tribunal Constitucional. Não é aceitável a sua sistemática desvalorização, ao longo dos últimos 40 anos, face aos seus pares homens, nem a ausência de escrutínio público dos conselheiros cooptados, que podem revelar-se nem sempre intransigentes defensores dos Direitos Humanos das mulheres, em particular das suas liberdades sexuais e reprodutivas.
Helena Pereira de Melo é professora associada com agregação
da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
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