July 28, 2023

A senhora PNPOT



(excertos de uma entrevista bastante extensa mas muito boa onde se percebe o desacertos de muitas políticas dos últimos 30 anos e o descalabro das políticas deste governo)

“Os grandes problemas de habitação foram resolvidos pelas famílias, não pelo Estado”


David Pontes, Ana Fernandes 

Teresa Sá Marques, geógrafa da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, foi a coordenadora científica de um plano que tenta apontar um caminho para a forma como vamos gerir o território nacional até 2030, sabendo que enfrentamos grandes desafios como o declínio demográfico ou as alterações climáticas. A resposta? Apoiar as decisões em conhecimento para evitar os erros do passado, como ter esquecido a ferrovia.

Planear a próxima década do país não é tarefa fácil, pois hoje as mudanças são muito rápidas e a sociedade já não aceita más decisões. Há que evitar os erros do passado, como a construção em leitos de cheia ou o esquecimento da ferrovia. As alterações climáticas e a boa gestão assim o exigem. E as boas soluções só se encontram com informação e conhecimento, com uma sociedade participativa e exigente.

Mas há riscos incontornáveis: o país tem cada vez menos gente, o que é difícil de inverter. Há 50 anos sofremos uma sangria de que nunca recuperámos, nem iremos recuperar. Um despovoamento que também afectou as cidades, esvaziadas para a periferia. Por isso, a geógrafa saúda a revitalização dos centros, a reboque do turismo. Alerta, porém, para a necessidade de regulação. Para que todos beneficiem do regresso da vida às cidades. E sublinha a necessidade de o Estado apostar na habitação pública, um sector de que esteve ausente demasiados anos — porque o problema não é de hoje. Ter casa na cidade nunca foi muito fácil.

É a senhora PNPOT?
Alguns dizem que sou a “mãe PNOPT”. Fiz a coordenação técnica e científica deste que é o principal documento em termos da política do ordenamento do território a nível nacional. Tudo o que são políticas sectoriais de base territorial devem beber no PNPOT. Todos os sectores e os diferentes ministérios contribuíram para este documento, que é o fruto de uma reflexão profunda.

E que projecta um Portugal para daqui a 30 anos. Que país será esse face a desafios como o despovoamento e as alterações climáticas?
“Os grandes problemas de habitação foram resolvidos pelas famílias, não pelo Estado”
O momento actual é de grandes mudanças — ambientais, climáticas, tecnológicas que vão ter grandes implicações no modelo económico do nosso país e também em termos demográficos. Temos um contexto de alguma retracção, de diminuição populacional, vamos ver o que é que acontece aos movimentos migratórios. E está a haver grandes mudanças em termos da saúde, nas formas de pensar, na qualidade de vida, no que é que os jovens querem, que novos desafios querem abraçar. Estas mudanças criam-nos instabilidade. No passado, as coisas mudavam devagar. Tínhamos alguma estabilidade associada às situações, mas neste momento não sabemos. Colectivamente, individualmente, os processos de mudança vão ser muito grandes.

As questões da perda demográfica podem sentir-se mais, em termos relativos, nos territórios de baixa densidade, mas, em termos absolutos, os idosos estão a viver sobretudo nos contextos urbanos e será nestes que o problema se vai manifestar de uma forma muito clara. Somos dos países com taxas de fecundidade mais baixas e tivemos um período de grande perda demográfica nos anos 60 e 70. A sangria demográfica foi dramática para o país. Perdemos centenas de milhares de pessoas que nunca mais viemos a recuperar e nunca iremos recuperar — porque saíram sobretudo dos territórios mais pobres, saíram à procura de melhores condições de vida. Aqueles territórios não tinham capacidades, até ecológicas e ambientais, para produzir riqueza para sustentar aquelas pessoas.

Estamos a falar de uma boa parte do território nacional. Diz que essas zonas nunca irão recuperar. Mas não é possível recuperar alguma coisa?
[Por exemplo] O Fundão. Tem um autarca conhecido pela sua dinâmica e é um bom exemplo, porque demonstra como os processos de planeamento são importantes. Tem de haver uma forte participação das instituições, porque têm de ser processos de aprendizagem, de fazer diferente, de mudar, de transformar. Os processos de planeamento permitem construir novas formas de gerirmos o território. Mas os territórios são diversificados, portanto as estratégias têm de ser diversificadas. Pode haver alguma recuperação, mas não podemos ter ilusões: as tendências a nível europeu são de reconcentração urbana.

Nós não temos recursos humanos suficientes para a economia que temos agora e temos recursos humanos qualificados que não estão a ter acesso ao emprego qualificado, porque a economia não está a criar emprego qualificado. Mas convém dizer que continuamos a ter taxas de qualificação baixas e a principal política do futuro é a política da Educação. A mudança transformadora faz-se em primeiro lugar na escola, em todos os níveis de ensino.


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