May 03, 2023

Saber o que se sabe e saber o que não se sabe

 


E saber os limites das suas capacidades, é uma grande virtude que muitos não têm e entre os políticos portugueses, quase nenhum, nos tempos que correm.

Quando morei em Bruxelas, logo a seguir à esquina da rua onde morava, havia um convento dominicano, cuja igreja tinha um orgão muito bom, do início do século XX. Ia lá muitas vezes a seguir ao jantar ouvir os concertos de orgão e às vezes ia à missa, quando havia coro a acompanhar o orgão. A igreja tinha mais que um organista residente. Descobri, a ouvir as missas, que rezavam missa nas várias línguas da UE. O convento tem frades e padres dos países da UE.
A primeira vez que lá entrei foi pouco depois de ir morar para ali. Um dia, a passar à porta da igreja ouvi música de orgão a vir de lá de dentro e entrei logo, claro. Apanhei uma missa em francês e fiquei a ouvir porque nunca tinha ouvido uma missa em francês. Ouvi as leituras e na altura da homilia, eis que o padre que estava a celebrar a missa se vai sentar a um canto e entra um frade vindo da sacristia e começa a pregar. Já não lembro o tema, mas o indivíduo falava muito bem com uma argumentação impecável e fazia uma reflexão que passava a fronteira da religião e entrava na filosofia. Depois de acabar a sua parte, saiu pela mesma porta por onde tinha entrado e o padre de serviço levantou-se e continuou a missa.
Foi a primeira vez que vi tal coisa, mas depois disso passei a espreitar o tema da pregação anunciado para cada semana e quando parecia interessante ia lá à missa tentando acertar na altura da homilia. 

Os dominicanos são uma ordem pregadora, portanto, especialistas na pregação e são uma ordem muito culta e de tradição filosófica. São Tomás de Aquino era dominicano, como é sabido. De maneira que eles têm, pelo menos ali naquela igreja, porque nunca mais vi isto em lado algum, esse hábito de ter separadas as funções de pregador e executante. Cada um faz o que sabe fazer e não interfere na acção do outro. O pregador prega, espalha a palavra e cativa seguidores, o padre executa os ritos e mantém as várias partes do ofício coordenadas a a funcionar no seu melhor. O pregador não executa e o executante nunca prega. É muito eficaz e impressionante.

Isso é o que falta a António Costa: ter essa virtude de saber que a sua especialidade é arrebanhar votos e ter a coragem ou decência de ir embora depois da homilia e deixar a execução para um executor competente, porque o ofício do executivo é executar. Não é ser demagogo, não é mostrar que pode mandar contra tudo e todos, não é exercer um poder absoluto, não é exibir manha e perícia nas tramas da baixa política. Isso é a política no seu sentido menos nobre e mais vulgar e é um demérito.

O executor é aquele que mantém o executivo competente e a funcionar no seu melhor. Escolhe as melhores pessoas, instila-lhes uma visão e uma dinâmica de trabalho e motiva-os a trabalhar no seu melhor. Tem soluções pensadas para os problemas e sabe quem melhor os resolve. 

Está à vista, há muito tempo, que Costa não é um bom executor. É demasiado auto-indulgente e tem um excesso de confiança desenraizada nas suas capacidades de governação. Já foi ministro em outros governos e não fez bom trabalho. Foi ministro da AI em 2003 na altura dos grandes fogos e fez um mau trabalho. Foi ministro de Sócrates, um governo que fez um péssimo trabalho e é Primeiro-Ministro há 7 anos. Tirando a gestão da pandemia no ano de 2020, onde agiu bastante bem, o resto tem sido um descalabro, a começar pelos ministros que escolhe, gente incompetente e inconsequente (alguns, como Cabrita, puseram a fasquia da conduta ética rente ao chão e daí os casos que se seguiram terem sido todos desvalorizados) e a acabar na (des)governação do país que é evidente, até para os seus acólitos mais fanáticos.


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