February 25, 2023

Discursos para confundir

 


Sim, há abusos sexuais em todo o país e não apenas na Igreja mas os abusadores sexuais que andam por aí não pertencem a uma instituição que prega o bem, o amor ao próximo, a ajuda, a responsabilidade ética e por aí fora. Não são pessoas que uma vez denunciadas recorrem ao poder que (não)têm para abafar os crimes e poder continuar a praticá-los. 

É assim como dizer que um crime de desvio de fundos ser cometido por um empregado num banco e pelo ministro das finanças, é a mesma coisa. Não é, porque o ministro é uma das pessoas mais importantes na garantia do bom uso do dinheiro público e obriga os outros com preceitos e regras.

Descartes dizia que quem prega preceitos aos outros tem que ser melhor que eles. Ora, o que aconteceu até há pouco tempo, foi que toda a cúpula da Igreja, até aos Papas, era activa no encobrimento dos crimes de pedofilia e na tolerância com que os encarava. Se não fosse este Papa fazer pressão para que se investigasse, a Igreja portuguesa (e outras) tinha continuado a esconder tudo - não faz muito tempo negaram que aqui houvesse pedofilia e disseram que era coisa de anglo-saxões, quando agora sabemos que sabiam tudo e encobriam. 

Porque não se demitem? Não se sentem responsáveis.

Há uns dias, o padre Portocarrero de Almada, uma pessoa importante na organização, defendeu publicamente que o resultado do inquérito devia ter sido posto, em silêncio, nas mãos do clero, que quem ficou prejudicada com o relatório foi a Igreja na sua imagem, que os casos devem estar muito exagerados, que isto deriva do ódio que têm à Igreja e que somos todos responsáveis porque há abusos fora da Igreja. 
Os responsáveis da Igreja, que não têm vergonha e escondem tudo, ao fazê-lo, agravam os crimes e são, eles mesmos e não quem faz os relatórios, os grandes responsáveis pela má imagem da Igreja Católica e os responsáveis por alargar a todos uma mancha de suspeita que só a alguns é devida. 

Há abusos fora da Igreja, sim mas quando há uma queixa numa escola, por exemplo, o caso é denunciado à polícia e ao ME e depois a justiça segue o seu curso sem ninguém andar a pedir que se abafe a situação. Ora a Igreja sempre lutou para que os padres ficassem fora da justiça civil e fossem julgados dentro da instituição. A justiça terrestre pertence aos civis e não aos religiosos, como no Irão, Afeganistão e outras sociedades onde a Igreja é instrumento de opressão, tortura e morte.

Este padre Portocarrero de Almada, falou de todo o assunto de pedofilia como se se estivesse a empolar uma coisa de menor importância: casos de há muitos anos que já não acontecem. Ora, (i)pelo menos 100 padres pedófilos estão no activo: a quantas crianças e adolescentes continuam a ter acesso, esse homens? (ii)Quantos dos crimes cometidos há 40 ou 50 anos o foram por padres que ainda andam por aí descansados, sabe-se lá a fazer o quê? 

O argumento de noutros tempos estes crimes serem mais tolerados não tem provimento. De facto, as leis nesses tempos eram feitas pelos homens (no sentido masculino e não universal do termo) e por influência dos padres das suas famílias e por isso é que eram mais tolerantes, porque os seres masculinos protegem-se uns aos outros de crimes (pedofilia, violação, etc). Porém, todos praticavam os crimes às escondidas e mentiam e ameaçavam as crianças de malfeitorias em caso de falarem, o que é prova da plena consciência do mal que faziam. O crime era tão pouco normal e normalizado que as vítimas desenvolveram doenças mentais e ficaram com as vidas destruídas. A maioria nunca conseguiu sequer falar do assunto.

Portanto, dizer que os abusos sexuais são um problema de todos é um discurso para confundir porque os criminosos particulares pedófilos ou abusadores sexuais não pertencem a uma instituição que se arvora em salvadora dos seres humanos, garante do Bem na Terra e da bondade divina. Sim, é necessário fazer mais na sociedade para defender as crianças, mas não se confundam os planos.

As Igrejas deviam ser instituições democráticas. O povo de Deus não é o masculino, são todos e ninguém está acima de ninguém enquanto pessoa religiosa. Há pessoas [os padres] que se arvoram em escolhidos para intérpretes e representantes de Deus, mas isso só é assim porque as pessoas toleram, porque no dia em que o povo religioso quiser uma instituição mudada, ela tem que mudar. 
Mas por ora, as Igrejas não são democráticas e nem sequer inclusivas. São organizações de exclusão: excluem as mulheres e a sexualidade (daí o celibato, para que os homens não possam ser influenciados por mulheres), excluem os homossexuais, excluem os divorciados...
Como são o oposto de uma instituição aberta e democrática, estão cheias de vícios próprios do excesso de poder desse tipo de organizações. Vamos ver se aproveitam para mudar e melhorar ou se ainda se vão fechar mais.


5 comments:

  1. Não querendo de modo algum polemizar sobre um assunto que me incomoda, pois sou católico (penso que seria redundante dizer "praticante") gostava de corrigir uma frase sua - e que é vulgarmente usada nos meios de comunicação social: "Ora, (i)pelo menos 100 padres pedófilos estão no activo." O correcto seria dizer "Ora, (i)pelo menos 100 padres referidos como pedófilos estão no activo".
    Admito que haja 100, 10 ou 1000. Haver 1 já é número excessivo, porque não deveria haver nenhum. O que me custa a aceitar é que se lance um labéu sobre 100 pessoas, cujos nomes poderão vir a ser divulgados, sem que se dê a oportunidade às pessoas de se defenderem. Que eu saiba as pessoas não foram julgadas, menos ainda condenadas.
    Gostava de ser claro: o tema incomoda-me, porque é da "minha" igreja que se trata. Incomoda-me, não por aquilo que dizem dela, mas porque sei que aquilo que dizem dela é seguramente verdade, independentemente de ter sido um caso, 100 ou 1000. O incómodo vem da essência conspurcada, não da imagem manchada. Mas que isto não sirva para um caça às bruxas, para dar rédea solta a uma campanha anti-igreja que existe, esquecendo que por trás de cada padre que viola ou bispo que encobre há outro padre - ou muitos outros padres - que marcam positivamente a vida de muitas pessoas, sejam elas crianças, adolescentes ou idosos.
    Dê-se aos padres todos os direitos de defesa que tem um leigo. E aja-se com os padres como se lidaria com qualquer leigo. Nem mais, nem menos.
    Peço desculpa se fui demasiado assertivo.

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  2. Não acredito que os autores do relatório o tivessem dito -que há pelo menos 100 padres pedófilos no activo- sem terem certeza do que dizem. Mas se eles existem ou não cabe à justiça investigar e ninguém revelou nomes. Agora, acho bem que os autores do relatório o tenham dito porque o dever primeiro deles não é proteger os padres mas proteger as crianças e é bom que os pais estejam avisados para poderem ter cautela. Saber e não o dizer seria cumplicidade com o crime.
    De resto, como digo no que escrevi, os grandes responsáveis pela má fama dos padres é a própria igreja nas pessoas dos seus dirigentes que querem esconder tudo na sacristia. Se tivesse tido a iniciativa de fazer este inquérito quando o escândalo rebentou noutros países e tivessem sido implacáveis na entrega dos criminosos à justiça, não eram alvo de suspeitas generalizadas.

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  3. Talvez eu tenha percebido mal, mas como é que os autores podem ter a certeza? Que eu saiba, aquela comissão ainda não é equivalente a um tribunal. Não estou a dizer que não haja 100 padres - ou 1000. O que estou a dizer é que a Comissão não tem poderes nem capacidade para decidir quem é ou não culpado. Tem poderes para dizer que há 100 padres sobre os quais cai uma suspeita - e que devem ser investigados para proteger potenciais vítimas. Veja o caso do Cardeal George Peel (Austrália): condenado, preso, foi mais tarde absolvido.

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  4. Devo ter-me explicado mal. Eles não disseram que os padres já estāo condenados. Se dizem que eles existem no activo é porque são padres que foram alvo de outras denúncias já validadas. Se fossem meras suspeitas não o diriam.

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  5. Anónima = beatriz

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