Sim, há abusos sexuais em todo o país e não apenas na Igreja mas os abusadores sexuais que andam por aí não pertencem a uma instituição que prega o bem, o amor ao próximo, a ajuda, a responsabilidade ética e por aí fora. Não são pessoas que uma vez denunciadas recorrem ao poder que (não)têm para abafar os crimes e poder continuar a praticá-los.
É assim como dizer que um crime de desvio de fundos ser cometido por um empregado num banco e pelo ministro das finanças, é a mesma coisa. Não é, porque o ministro é uma das pessoas mais importantes na garantia do bom uso do dinheiro público e obriga os outros com preceitos e regras.
Descartes dizia que quem prega preceitos aos outros tem que ser melhor que eles. Ora, o que aconteceu até há pouco tempo, foi que toda a cúpula da Igreja, até aos Papas, era activa no encobrimento dos crimes de pedofilia e na tolerância com que os encarava. Se não fosse este Papa fazer pressão para que se investigasse, a Igreja portuguesa (e outras) tinha continuado a esconder tudo - não faz muito tempo negaram que aqui houvesse pedofilia e disseram que era coisa de anglo-saxões, quando agora sabemos que sabiam tudo e encobriam.
Porque não se demitem? Não se sentem responsáveis.
Há uns dias, o padre Portocarrero de Almada, uma pessoa importante na organização, defendeu publicamente que o resultado do inquérito devia ter sido posto, em silêncio, nas mãos do clero, que quem ficou prejudicada com o relatório foi a Igreja na sua imagem, que os casos devem estar muito exagerados, que isto deriva do ódio que têm à Igreja e que somos todos responsáveis porque há abusos fora da Igreja.
Os responsáveis da Igreja, que não têm vergonha e escondem tudo, ao fazê-lo, agravam os crimes e são, eles mesmos e não quem faz os relatórios, os grandes responsáveis pela má imagem da Igreja Católica e os responsáveis por alargar a todos uma mancha de suspeita que só a alguns é devida.
Há abusos fora da Igreja, sim mas quando há uma queixa numa escola, por exemplo, o caso é denunciado à polícia e ao ME e depois a justiça segue o seu curso sem ninguém andar a pedir que se abafe a situação. Ora a Igreja sempre lutou para que os padres ficassem fora da justiça civil e fossem julgados dentro da instituição. A justiça terrestre pertence aos civis e não aos religiosos, como no Irão, Afeganistão e outras sociedades onde a Igreja é instrumento de opressão, tortura e morte.
Este padre Portocarrero de Almada, falou de todo o assunto de pedofilia como se se estivesse a empolar uma coisa de menor importância: casos de há muitos anos que já não acontecem. Ora, (i)pelo menos 100 padres pedófilos estão no activo: a quantas crianças e adolescentes continuam a ter acesso, esse homens? (ii)Quantos dos crimes cometidos há 40 ou 50 anos o foram por padres que ainda andam por aí descansados, sabe-se lá a fazer o quê?
O argumento de noutros tempos estes crimes serem mais tolerados não tem provimento. De facto, as leis nesses tempos eram feitas pelos homens (no sentido masculino e não universal do termo) e por influência dos padres das suas famílias e por isso é que eram mais tolerantes, porque os seres masculinos protegem-se uns aos outros de crimes (pedofilia, violação, etc). Porém, todos praticavam os crimes às escondidas e mentiam e ameaçavam as crianças de malfeitorias em caso de falarem, o que é prova da plena consciência do mal que faziam. O crime era tão pouco normal e normalizado que as vítimas desenvolveram doenças mentais e ficaram com as vidas destruídas. A maioria nunca conseguiu sequer falar do assunto.
Portanto, dizer que os abusos sexuais são um problema de todos é um discurso para confundir porque os criminosos particulares pedófilos ou abusadores sexuais não pertencem a uma instituição que se arvora em salvadora dos seres humanos, garante do Bem na Terra e da bondade divina. Sim, é necessário fazer mais na sociedade para defender as crianças, mas não se confundam os planos.
As Igrejas deviam ser instituições democráticas. O povo de Deus não é o masculino, são todos e ninguém está acima de ninguém enquanto pessoa religiosa. Há pessoas [os padres] que se arvoram em escolhidos para intérpretes e representantes de Deus, mas isso só é assim porque as pessoas toleram, porque no dia em que o povo religioso quiser uma instituição mudada, ela tem que mudar.
Mas por ora, as Igrejas não são democráticas e nem sequer inclusivas. São organizações de exclusão: excluem as mulheres e a sexualidade (daí o celibato, para que os homens não possam ser influenciados por mulheres), excluem os homossexuais, excluem os divorciados...
Como são o oposto de uma instituição aberta e democrática, estão cheias de vícios próprios do excesso de poder desse tipo de organizações. Vamos ver se aproveitam para mudar e melhorar ou se ainda se vão fechar mais.
Não querendo de modo algum polemizar sobre um assunto que me incomoda, pois sou católico (penso que seria redundante dizer "praticante") gostava de corrigir uma frase sua - e que é vulgarmente usada nos meios de comunicação social: "Ora, (i)pelo menos 100 padres pedófilos estão no activo." O correcto seria dizer "Ora, (i)pelo menos 100 padres referidos como pedófilos estão no activo".
ReplyDeleteAdmito que haja 100, 10 ou 1000. Haver 1 já é número excessivo, porque não deveria haver nenhum. O que me custa a aceitar é que se lance um labéu sobre 100 pessoas, cujos nomes poderão vir a ser divulgados, sem que se dê a oportunidade às pessoas de se defenderem. Que eu saiba as pessoas não foram julgadas, menos ainda condenadas.
Gostava de ser claro: o tema incomoda-me, porque é da "minha" igreja que se trata. Incomoda-me, não por aquilo que dizem dela, mas porque sei que aquilo que dizem dela é seguramente verdade, independentemente de ter sido um caso, 100 ou 1000. O incómodo vem da essência conspurcada, não da imagem manchada. Mas que isto não sirva para um caça às bruxas, para dar rédea solta a uma campanha anti-igreja que existe, esquecendo que por trás de cada padre que viola ou bispo que encobre há outro padre - ou muitos outros padres - que marcam positivamente a vida de muitas pessoas, sejam elas crianças, adolescentes ou idosos.
Dê-se aos padres todos os direitos de defesa que tem um leigo. E aja-se com os padres como se lidaria com qualquer leigo. Nem mais, nem menos.
Peço desculpa se fui demasiado assertivo.
Não acredito que os autores do relatório o tivessem dito -que há pelo menos 100 padres pedófilos no activo- sem terem certeza do que dizem. Mas se eles existem ou não cabe à justiça investigar e ninguém revelou nomes. Agora, acho bem que os autores do relatório o tenham dito porque o dever primeiro deles não é proteger os padres mas proteger as crianças e é bom que os pais estejam avisados para poderem ter cautela. Saber e não o dizer seria cumplicidade com o crime.
ReplyDeleteDe resto, como digo no que escrevi, os grandes responsáveis pela má fama dos padres é a própria igreja nas pessoas dos seus dirigentes que querem esconder tudo na sacristia. Se tivesse tido a iniciativa de fazer este inquérito quando o escândalo rebentou noutros países e tivessem sido implacáveis na entrega dos criminosos à justiça, não eram alvo de suspeitas generalizadas.
Talvez eu tenha percebido mal, mas como é que os autores podem ter a certeza? Que eu saiba, aquela comissão ainda não é equivalente a um tribunal. Não estou a dizer que não haja 100 padres - ou 1000. O que estou a dizer é que a Comissão não tem poderes nem capacidade para decidir quem é ou não culpado. Tem poderes para dizer que há 100 padres sobre os quais cai uma suspeita - e que devem ser investigados para proteger potenciais vítimas. Veja o caso do Cardeal George Peel (Austrália): condenado, preso, foi mais tarde absolvido.
ReplyDeleteDevo ter-me explicado mal. Eles não disseram que os padres já estāo condenados. Se dizem que eles existem no activo é porque são padres que foram alvo de outras denúncias já validadas. Se fossem meras suspeitas não o diriam.
ReplyDeleteAnónima = beatriz
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