January 21, 2023

Desmantelamento



É difícil levar a cabo o plano de recuperação da pandemia porque não há professores. Tenho alunos que precisam de apoio a Matemática, mas não há professores. Os que há estão com o seu horário já completo com turmas e os apoios, que são aulas de explicações, não são considerados tempos de lecionação - foi mais uma medida para embaratecer o trabalho dos professores: punha-se os professores a dar explicações, que são aulas intensivas dadas a grupos reduzidos de alunos (que obrigam a um plano próprio, diferente do das aulas a turmas inteiras), mas não era preciso pagar-lhes porque não são considerados aulas. 

Foi uma esperteza saloia inventada pelo Crato (acho que é do tempo dele) para nos pôr a trabalhar mais ganhando o mesmo, ou seja, menos. Porque um professor tem, a partir de certa idade, alguma redução do número de horas lectivas porque não se aguenta fisicamente ter o mesmo numero de turmas aos 50 ou 55 anos que se tinha aos 25. Pois ele inventou uma maneira de anular essa redução que foi considerar as explicações/apoios como não letivas; então, a cada professor que tivesse redução de uma turma, por exemplo, era-lhe atribuído o mesmo tempo em leccionação de explicações, o que anulava o objectivo da redução. 
Tudo é feito para encher-nos de trabalho ganhando menos. Por exemplo, como os técnicos das secretarias são cada vez menos (e a maioria está lá com contrato de um ano e quando começa a perceber do assunto tem que ir embora) e acabam por ser 3 ou 4 a fazer todo o trabalho de processamento de documentos e legislação de, por exemplo, 1500 alunos, 150 professores e 20 operacionais, parte do trabalho burocrático das secretarias, como os processos dos alunos, passou para os professores - somos uma espécie de caixote para onde se atira todo o trabalho. 
Outro exemplo: de repente, a meio do 1º período, quando estamos na altura de fazer avaliações e de haver reuniões intercalares em horário pós-laboral, com todo o trabalho que estas coisas implicam, vem uma nota do ME a mandar que cada director de turma preencha numa plataforma os dados completos de todos os alunos, a profissão dos pais, quando foi a última vez que comeram pizza e o diabo a nove, com prazo de entrega de uma semana. É prioritário e passa à frente do trabalho todo. Uma semana! Quer dizer, é a total falta de respeito pelo nosso trabalho. Somos empregados do INE e de cada vez que alguém quer dados diz, 'epá, põe aí os teus professores a fazer este levantamento de dados' para nós. Podia estar aqui a dar exemplos destes até ao fim do dia.

Mas enfim, voltando à vaca fria, agora não há professores de algumas disciplinas, como matemática e os que há estão cheios de turmas e não têm tempo no horário para apoios ao estudo. 

No entanto, uma fulana qualquer chamada, Leonete Botelho, editora do Público, dizia na semana passada na TV que os professores são estúpidos  ['os professores deviam ser inteligentes'] porque estão a deslaçar a sociedade. Hoje uma outra no mesmo jornal tem um artigo chamado, 'A Guerra dos Professores', como se estivéssemos a fazer guerra. É uma vergonha. Todos os dias temos que ouvir um qualquer a chamar-nos estúpidos, ignorantes, atrasados, calões, faltistas, retrógrados, deslaçadores da sociedade. E para quê? Para nos manterem mal pagos, domesticados e calados. E para quê? Para imporem à escola as suas ideologias sem contraditório e sem vigilância.

De facto, não são os 25 mil milhões entregues a corruptos e os casos diários de corrupção, desvio de fundos, favorecimento de amigos, intromissão na justiça, etc. que deslaça a sociedade. Não, somos nós professores que lutamos por justiça e pela sobrevivência da escola pública.

De facto, é o desmantelamento da escola pública de qualidade feito através da destruição dos professores.



O Desmantelamento

Margarida Balseiro Lopes

O país assistiu nas últimas semanas a inúmeros protestos no setor da Educação. Do Norte ao Sul do país, professores, mas não só, têm reclamado melhores condições para o exercício pleno e dedicado da sua profissão.

A progressão na carreira, os baixos salários, o modelo de avaliação, a elevada burocracia, as colocações a centenas de quilómetros de casa e a instabilidade na profissão são algumas das reivindicações da classe docente. Milhares de professores sentem-se cansados, pouco valorizados e desiludidos com a forma como têm desempenhado a sua profissão. Porém, o problema é bem maior neste setor.

Recorde-se que o ano letivo começou com mais de 60 mil alunos sem professor a, pelo menos, uma disciplina. Este é um problema que se junta a um outro decorrente da pandemia. As aprendizagens perdidas durante os sucessivos confinamentos e fechos das escolas levaram à criação de um plano de recuperação, cuja execução tem deixado muito a desejar. 

Na prática, o que se acentuou nos últimos anos foi uma crescente desigualdade entre os alunos de famílias mais vulneráveis e os alunos cujos pais têm condições para lhes proporcionar outro tipo de acompanhamento. É, portanto, mais uma machadada na capacidade de a educação ser verdadeiramente um elevador social. Infelizmente não é, e a realidade tende a piorar.
Recorde-se que muitas das mexidas e alterações promovidas neste setor vão no sentido de reduzir a exigência e promover uma cultura de facilitismo que é inimiga de uma Escola de qualidade e exigência. Ainda por estes dias, líamos com muita preocupação o parecer da Sociedade Portuguesa de Matemática sobre as propostas de alteração ao currículo no Ensino Secundário homologadas a 13 de janeiro pelo ministério. O parecer é verdadeiramente demolidor: a Sociedade Portuguesa de Matemática acusa o Ministério da Educação de atirar a aprendizagem da Matemática no Ensino Secundário para "mínimos históricos inexplicáveis", apontando "múltiplos e graves problemas" às aprendizagens essenciais homologadas. A resposta de muitas famílias tem sido o recurso a instituições privadas de ensino, o que é, apenas, mais um sinal do desmantelamento da Escola Pública promovido pelo Partido Socialista.

Estes experimentalismos, a juntar ao clima de insatisfação e instabilidade vivido nas escolas, marcado por sucessivas greves e manifestações, têm custos para o sistema educativo e para o futuro de milhares de crianças e jovens e respetivas famílias.

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