Madi Kapparov
Geralmente detesto revelar qualquer coisa sobre mim. E não há muito a saber, mas as minhas experiências pessoais de interacção com os russos talvez ajudem algumas pessoas no Ocidente a perceber os russos.
Esta é a minha história pessoal.
Primeiro, alguns antecedentes. Nasci no KazSSR (Cazaquistão) antes da queda da URSS. Como tal, a maioria dos meus antepassados imediatos são do império, velhos ou soviéticos. A família do meu avô paterno foi exterminada em 1939, quando ele era adolescente. Ele acabou num orfanato.
A minha avó materna perdeu irmãos no Holodomor cazaque, Asharshylyk, no início da década de 1930. O meu avô materno lutou pela URSS na Segunda Guerra Mundial. Sofreu ferimentos graves no final da guerra. Sobreviveu, mas a guerra apanhou-o em 1964 e faleceu.
A minha mãe cresceu sem pai.
Apesar da história da família, nunca detestei os russos. Continuo a não odiar. Simplesmente vejo-os de forma diferente do que um ocidental médio. Compreendo a sua cultura e as suas motivações e quase nada do que eles fazem me surpreende.
N.B.: Kapparov é o meu apelido desde o nascimento. No entanto, não era o apelido do meu pai. Ele mudou-o para que tivesse uma sonoridade mais russa de maneira a melhor se enquadrar na URSS para ter melhores oportunidades de carreira e melhor conforto na vida, em geral.
A história da minha família não é, infelizmente, única. Qualquer pessoa de uma das antigas colónias soviéticas escolhida ao acaso estaria cheia de tragédias e miséria.
Deixem-me dar-vos os mais memoráveis acontecimentos pessoais das minhas interacções com os russos ao longo da minha vida.
Cresci numa parte da minha cidade natal que era fortemente povoada por russos étnicos. Assim, a escola local que frequentei tinha uma maioria predominante de russos étnicos e tudo era ensinado em russo. À excepção de uma disciplina - a língua cazaque.
Num final do ano lectivo as notas finais foram determinadas. Algumas pessoas reprovaram na classe de cazaque e ficaram visivelmente aborrecidas e começaram a discutir com a professora. A professora, uma senhora de etnia cazaque na casa dos 50 anos, foi inflexível e recusou-se a mudar as notas finais.
Os alunos reprovados, de etnia russa, depois de muito barulho sem convencerem a professora disseram duas coisas: "Quem precisa de falar esta língua choochmek?" e "Kalbit". A professora fingiu não ter ouvido nada. Essas duas palavras são insultos étnicos.
Numa altura, houve protestos violentos na minha cidade natal. Após um apagão de comunicação de seis dias, consegui contactar a minha mãe. Ela estava bem, mas disse que havia muito tiroteio perto da praça principal da cidade. Eu tinha um conhecido que vivia perto da praça principal. Consegui falar com ele para saber o que estava a acontecer na área. Era um homem de etnia russa na casa dos 20 e poucos anos, nascido e criado no Cazaquistão independente. Vamos chamar-lhe Oleg (não o seu verdadeiro nome).
Na nossa conversa telefónica, Oleg tentou tranquilizar-me, dizendo que tudo ia correr bem: "Não te preocupes, os nossos rapazes estão aqui, eles vão resolver a vossa confusão". Parece uma afirmação inofensiva, mas não. Três dias antes da conversa, tropas da CSTO apareceram na minha cidade natal.
E quando digo CSTO, refiro-me sobretudo às tropas VDV russas. Assim, por "os nossos rapazes" Oleg quis dizer as tropas VDV russas e por "a vossa confusão" quis dizer "a confusão dos cazaque". Aparentemente, ninguém o informou de que era um cidadão cazaque e que era também a sua confusão. Interprete o resto como quiser.
A Rússia lançou uma invasão em grande escala na Ucrânia. Como candidato a doutorado na LBS, eu sabia que a escola estava a fazer programas de educação executiva para o Sberbank, um banco russo parcialmente propriedade da Gazprom. Por isso, senti que essa relação tinha de terminar e iniciei uma petição nesse sentido. Alguns dos meus colegas aderiram como signatários. Contudo, também recebi um e-mail dos colegas russos. Tentaram convencer-me de como era errado o que estava a fazer e que dar oportunidades educacionais a russos era importante, citando o exemplo da Navalny em Yale. Os colegas russos também sugeriram que era uma mais razoável assinar uma petição contra a guerra na Change(.)org. Optei por ignorar o e-mail deles e nunca lhes respondi.
O recuo da "oposição" russa em relação à proibição de vistos não me surpreende em nada.
Tenho uma amiga que vive em Moscovo. Em Março, contactei-a para lhe perguntar sobre a situação na rússia e em Moscovo. Antes de lhe contar como correu a conversa, deixe-me contextualizá-la: conheço a Lena (não o seu verdadeiro nome) desde 2008. Fomos amigos íntimos durante alguns anos antes dela se mudar de novo para a Rússia em 2015. Ela nunca me pareceu ser uma ultra-patriótica zelota da Rússia com opiniões de excepcionalismo russo profundamente enraizadas. Mantivemo-nos em contacto e falávamos cerca de uma ou duas vezes por ano.
No telefonema, Lena parecia bastante indiferente ao desenrolar da invasão em larga escala da Ucrânia e das sanções ocidentais. Por isso, perguntei-lhe porque estava tão estóica em relação à guerra. A sua resposta ficou-me na minha cabeça: "Porque somos a Rússia, ganharemos em breve.
Estas são apenas três histórias, duas deste ano e uma de há muito tempo.
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