June 04, 2022

Hoje é aquele dia do mês

 


Em que compro o Público porque alguém, que suspeito seja o ex-SE, agora ministro da educação, manda publicar artigos de propaganda que geralmente são aos pares. E de facto, é o caso: um par de artigos, cada um pior que o outro.

Este primeiro é de José Matias Alves, um colaborador do ex-SE, agora ministro da educação no desenho da flexibilidade curricular - coisa que não é dita no jornal, para parecer que é um artigo independente e imparcial. Logo aí desconfiamos da sua seriedade, mas adiante.

É um artigo contra os exames de acesso ao ensino superior. Todos sabemos que o ex-SE, agora ministro da educação está fixo nessa tarefa de acabar com todas as aferições significativas para poder brilhar nas estatísticas, mesmo que à custa do interesse dos alunos e do país.

Então lemos o artigo e três quartos do artigo constituem aquela falácia do «apelo ao povo», 'todos sabem que'... que se usa quando se quer fazer parecer que as nossas premissas estão provadas e é preciso ser muito ignorante para não estar por dentro do assunto. Vai daí, enumera uma data de falsas premissas: "ficou claro que os exames não são justos...; "ficou claro que os exames distorcem o ensino desde o 1º ano", etc., ele repete isto muitas vezes. É claro que... não ficou nada claro. Em alguns casos o que ficou foi a certeza de que há processos que têm problemas a ser resolvidos. Depois conclui: "dado que o sistema não serve"... como se aquelas falsas premissas, elas mesmas improvadas, fossem provas de que o sistema não serve. Depois passa alegremente a dizer como as coisas devem ser para o mundo ser feliz.

O que nunca é abordado, porque não lhe interessa, é a questão de saber se há mérito e benefício para os alunos e para o país, fazerem exames. E essa é que é a questão principal, porque havendo, o resto são processos com falhas a ser resolvidas. 

Este é um artigo, em meu entender capcioso, escrito para manipular e não para esclarecer a questão ou contribuir positivamente para melhorar o sistema de educação.

Se eu penso que isto manipula a maioria das pessoas? Sim, penso que sim, porque as pessoas querem muito acreditar em histórias com final feliz e querem muito ter alguém ou algo a quem culpar, neste caso, os exames.


O segundo é totalmente desonesto, nem tenta disfarçar. É também muito... estúpido, não há outra palavra. Mas lá está: cumpre o propósito de manipular os leitores? Penso que sim, porque as pessoas querem muito acreditar em histórias com final feliz e querem muito ter alguém ou algo a quem culpar, neste caso, os horríveis dos professores das escolas.

Senão vejamos: o título o que diz? Nesta escola não há aulas nem professores, portanto, dá 

logo a entender que aulas e professores são coisas retrógradas, do passado. No sub-título lemos que há uma geração de bravos (em inglês para parecer muito tech) que vai além da simples transmissão de conhecimentos. Lá está outra vez: a escola que temos é de mera transmissão de conhecimentos e não se passa lá mais nada. É um vazio de gente cobarde, ao contrário dos bravos.

Só de ler o título e o sub-título percebo logo que vem aí uma enxurrada de desonestidades a condizer com eles.

Depois olho a imagem: três rapazes, sozinhos, cada um no seu computador. Se estivéssemos na Idade Média esta propaganda mostrava três frades com a Bíblia mágica, cujo conteúdo salva, agora mostram-se computadores, a palavra mágica actual que resolve todos os problemas da educação. Começamos a ler e lá está: 10h da manhã, as mesas de cor do arco-íris para apoiar a comunidade LGBT (para dar a ideia de que as escolas que temos são contra as pessoas LGBT, o que é uma mentira descarada), e os learners, como lhes chamam (porque chamar alunos é ofensivo e retrógrado), sentam-se no computador e todos são felizes e entusiasmados. 

A sério? Isto é entre a parolice de se chamarem com nomes em inglês, para parecerem internacionais e a estupidez de alguém pensar que por se sentarem em frente do computador o conhecimento vai brotar nas suas mentes e serão todos felizes. 

A seguir ainda é pior porque se diz que os aprendizes são incentivados a ir para o computador para uma plataforma várias horas por dia conviver com os colegas. Isto é abaixo da crítica séria. Desde quando é melhor conviver com os colegas através de um ecrã, em vez de se sentarem uns com os outros ou irem todos passear a alguma lado? Fico desconfiada que este artigo tem o patrocínio de uma plataforma digital qualquer - a que é mencionada no artigo. 

Os learners escolhem o que querem estudar. Este artigo aparece umas vezes por ano, no Público, embora em versões diferentes. Já comentei outros do mesmo teor que defendem que os alunos é que escolhem o que querem estudar e se querem estudar, porque podem querer só dançar, por exemplo e os professores estão ali para o caso de eles quererem dar um passinho de dança.

A course manager, que é o nome que dão aos professores, explica tudo como os professores da escola antiga não sabiam explicar. Aqui dá vontade de o mandar àquele sítio, mas como estou convencida que isto é escrito pelo ministro ou às suas ordens, não vou mandar o homem à outra parte. Enfim, a linguagem, como se vê, vem directa da gestão, pois hoje em dia, os educadores do futuro são gestores que gerem os alunos, não como pessoas mas como projectos rentáveis.

O Luke assiste à lição de Português porque veio da África do Sul e não sabe falar. Ah! Espera lá, afinal há lições quando é preciso, de facto, aprender o que não se sabe. Ai é? então o Luke, não é um learner? Ele não sabe aprender a língua sozinho e precisa de um professor? 

Mais abaixo diz-se que esta escola tem actividades e clubes, como se as nossas escolas não os tivessem desde sempre. É a desonestidade total. Não estou para desmontar isto tudo porque é tanta estupidez que até dói.


Aqui nesta página há ofensas que deviam ser denunciadas pelos sindicatos ou outras associações de professores porque este é o pasquim do governo que veicula o pensamento do ministro. É que diz-se que a diferença entre os course managers e os professores é que os primeiros conhecem os alunos e interessam-se por eles e nós, vulgares professores, não. Nem conhecemos os alunos, nem queremos saber deles como pessoas. Isto é demais...isto é ofensivo face ao que se passa nas escolas, à relação que dos professores têm com os alunos, ao interesse e empenhamento dos professores e, só será verdade naqueles casos, muitos, em que o ministro obriga os professores a terem 300 ou mesmo 500 alunos. Aposto que os course managers têm uma dúzia de alunos ao todo. Este artigo é infame.

Não tenho esperança nenhuma neste país porque um país com uma educação pobre e totalmente desonesta não vai a lado algum. E é o que temos. Todos os dias esta propaganda contra as escolas e os professores. Todos os dias.

Se os pais vão emprenhar isto tudo pelos ouvidos? Ah, pois vão, mesmo aqueles que atiram os filhos para cima de nós porque não têm tempo nem pachorra para os educar.

Mas lá está: as pessoas querem muito acreditar em histórias com final feliz e querem muito ter alguém ou algo a quem culpar, neste caso, os professores.


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