March 21, 2022

O problema não é apenas Putin




"Um amigo pediu-me uma explicação para o facto de que dizer, "O problema é Putin" ser errado e perigoso. Senti que precisava de uma resposta mais longa. Aqui está ela:

O problema é incomensuravelmente mais profundo, mais amplo e mais antigo que Putin e o seu bando de gangsters. Geração após geração foi criada numa mentira. E os déspotas que governaram a Rússia sempre se safaram internacionalmente.

O terror dos bolcheviques, as purgas estalinistas, o GULAG como sistema, nunca foram criminalizados, nunca houve uma tentativa de redenção nacional, liderada pelo próprio governo. Pelo contrário, tudo isto é agora, mais uma vez, anunciado oficialmente como um orgulhoso processo de limpeza e fortalecimento nacional.

Os generais de Stalin e chefes da NKVD não foram julgados em Nuremberga ou Moscovo por co-conspiração com Hitler e Ribbentrop em 1939, por Katyn, pela invasão e anexação ilegal de todos ou partes dos Estados Bálticos, Polónia, Finlândia, Roménia, Hungria, etc,

Nunca foram julgados por genocídio em todos estes países nem por crimes de guerra em qualquer lugar que tenham ido. Nem sequer estou a falar da onda de agressão bolchevique contra todos os países vizinhos em 1918-24...

A Geórgia, o Azerbaijão, a Arménia, a Bielorrússia, a Ucrânia, eram todas, na altura, nações democráticas e independentes, cujo futuro foi esmagado por Moscovo. Todos estes países foram traídos pela Conferência de Paz de Paris, em primeiro lugar e, em Teerão e Yalta pela segunda vez. Pelo Ocidente.

Daí a profunda suspeita nestes países de que isso vai acontecer novamente. Se a Ucrânia não tivesse lutado e resistido agora, mas perdido numa semana, a Ucrânia teria sido traída num segundo. Por Macron, Scholtz, Biden. Realpolitik e todos. Novos Minsks, novas mediações, em breve novas guerras.

O actual mito nacional da Rússia e o núcleo da ideologia de Putin é uma mentira acerca da Rússia como libertadora. Todos nós, entre a Rússia e a Alemanha, assistimos à libertação da Ucrânia e esperamos que, por uma vez, o Ocidente compreenda que a 'libertação russa' foi sempre assim. 

Foi o que nos foi feito em 1918-21 e em 1939-45. E assim continuou até 1991. E recomeçou em 2008 e o Ocidente fingiu, mais uma vez, que isso não estava a acontecer.

Os alemães há 80 anos que pedem desculpa, mas eu ainda me sinto um pouco desconfortável ao ouvir Scholtz dizer: "vamos remilitarizar-nos". Felizmente, por uma vez, os alemães estão do lado certo das coisas porque mesmo agora, após 80 anos, os demónios não estão completamente mortos.

Por isso, digo não. Não se trata apenas de Putin. Tem muito a ver com o estado da sociedade russa. Não é "culpa" dos russos, há demasiados factores, mas para corrigir isto significa um processo de desagregação nacional, reagrupamento, redenção e reeducação durante, bem, 80 anos.

Só pode ser feito pelos próprios russos e a melhor coisa que podemos fazer é não entrar ali para lhes dizer como. Porque não sabemos melhor.

Tudo o que é necessário é ajudar a Ucrânia a vencer, estabelecer regras rigorosas de guerra fria relacionadas com a Rússia até que os crimes de guerra sejam julgados, por eles mesmos, e um governo representativo esteja em funções. Deixem-nos desmilitarizar-se. E depois fazer introspecção. Muito devagar.

E prender todo e qualquer ocidental que tente fazer negócios corruptos com eles. E ajudá-los a reconstruir a Rússia, mas não os interesses expansionistas imaginados pela Rússia.

É claro que isso não vai acontecer. Pelo menos não com o actual bando de líderes que temos. O melhor resultado será outro curto período de Ieltsin, após o qual tudo chegará a algo como o que temos hoje, mais uma vez.

Espero que tenham apreciado a nota optimista da Estónia."

Eerik N Kross - Ex-director & conselheiro dos serviços secretos na Geórgia, Iraque, Ucrânia, Moldávia. Comissão dos Assuntos Externos do Parlamento da Estónia

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