Este artigo explica o status quo com base em dados e também o que aí vem, se não houver alteração na organização do trabalho. E o que aí vem não melhora a nossa situação. Muito antes pelo contrário.
A produtividade das mulheres
Ricardo Reis
Há décadas que as mulheres suportam um grande custo na carreira por ter filhos. Hoje, elas começam a ganhar mais do que os maridos. A organização do trabalho vai ter de mudar
Apandemia acelerou mudanças estruturais na economia mundial e trouxe novos fenómenos que se estão agora a espalhar. Sobretudo no mercado de trabalho, cresce o teletrabalho, mais pessoas vivem bem longe do local onde trabalham e alguns sectores sobem enquanto outros definham. Ao mesmo tempo, o enviesamento natural que temos para prestar atenção ao que está a mudar rapidamente leva-nos frequentemente a esquecer as mudanças lentas mas persistentes que, ao fim de umas décadas, acabam por ser os mais fortes determinantes das características do trabalho. Provavelmente não há mudança mais importante no mercado de trabalho nos últimos 70 anos do que a entrada das mulheres nas profissões pagas. Nos próximos 20 anos, suspeito que continue a ser assim.
Os economistas Scott Kim e Petra Moser divulgaram recentemente novos dados de 82.094 cientistas americanos identificados num almanaque de 1956. Para cada um, eles recolheram dados sobre a biografia (emprego, educação, casamento, crianças) e sobre a produtividade, medida através das patentes no nome e publicações em revistas científicas. Por um lado, a profissão de cientista é especial, mas por outro lado (e relevante para os propósitos deste estudo) muitas outras profissões altamente qualificadas (médicos, advogados, bancários...) partilham com os cientistas o perfil de carreira: um grande investimento de horas nos primeiros dez a 15 anos para provar o seu valor, uma promoção muito significativa (ou não) por volta dos 40 anos, e depois uma boa recompensa para os que são promovidos. No caso dos cientistas, porque temos estas medidas imperfeitas e cruas da produtividade, podemos tentar perceber a forma como mulheres e homens se distinguem nestes ambientes competitivos e altamente especializados.
O primeiro resultado marcante é a diferença entre o percurso da produtividade por género. Até ao casamento, homens e mulheres são semelhantes. Mas, depois, entre os 28 e os 40 anos, a produtividade das mulheres não aumenta, enquanto que a dos homens sim. Depois, a partir dos 40, a produtividade das mulheres começa a aumentar enquanto que a dos homens estagna. Os economistas mostram que a diferença está concentrada nas cientistas que se casam e têm filhos. A sua produtividade retoma o crescimento aproximadamente 15 anos depois do casamento, quando para muitas, as crianças precisam de menos atenção. Isto implica que, quando olhamos para cientistas com mais de 50 anos, as mulheres são tão ou mais produtivas do que os homens. Mas, quando olhamos para os cientistas entre os 35 e 40 anos, os homens estão acima das mulheres e a diferença entre eles está no seu máximo. Ou seja, é na idade em que os cientistas são julgados e promovidos a professores (as posições seniores) que a diferença entre eles e elas é maior. Isto provavelmente explica porque é que na geração coberta pelo estudo, 62% dos pais foram promovidos mas isso só aconteceu com 38% das mães (e, já agora, num outro grupo de estudo 54% das mulheres sem filhos foram promovidas). Explica também porque é que as mulheres cientistas escolhem ter filhos com uma probabilidade que é só 2/3 daquela que verificamos para os homens cientistas, e só metade se casa com uma frequência que é metade da dos homens.
Estes resultados refletem o panorama dos anos 50 e 60, que é a amostra do estudo. Com amostras mais pequenas e maior dificuldade em separar o efeito causal dos filhos, outros estudos usando amostras mais recentes descobrem resultados qualitativamente consistentes (se bem que não no tamanho). Durante 2020, quando fechámos as escolas, a produtividade das mães cientistas caiu muito mais do que a dos homens. Alguns inquéritos mostram que as mães com filhos com menos de seis anos perderam 17% mais tempo do aquelas com filhos mais velhos. Por sua vez, como já escrevi neste espaço, os dados dos países nórdicos mostram que mesmo com licenças de maternidade generosas e creches públicas, ainda há um efeito grande e permanente da natalidade no salário das mães em relação aos pais ou às mulheres sem filhos.
Para pôr estes resultados no seu contexto, hoje, na população entre os 25 e os 34 anos, em todos os países da OCDE sem uma única exceção, há mais mulheres com um curso superior do que homens. As mulheres são a maioria dos estudantes de direito ou medicina ou dos programas de doutoramento. É já praticamente certo que a maioria das mulheres no futuro próximo se vai provavelmente casar com um homem que ganha menos do que ela. Não me parece que elas vão aceitar que ter filhos implique que os papéis se invertam, e passem eles a ganhar mais. Ou a natalidade vai cair (ainda mais?), ou o papel de pais, mães e Estado na educação das crianças vai-se alterar muito. É difícil imaginar que isto não implique mudanças na organização do trabalho, incluindo no trabalho à distância e no teletrabalho, com uma influência mais profunda e prolongada do que a da pandemia. Uma tendência que se vê já é mulheres que se casam mais tarde e têm filhos depois dos 40 (quando já ascenderam aos cargos seniores) usando os avanços na inseminação artificial. A pandemia pode ser o ponto de viragem em que estas mudanças se tornam mais visíveis. Mas, mais cedo ou mais tarde, elas iam acontecer.
Só há uma coisa com a qual não concordo com o artigo. Ele diz que o teletrabalho está generalizado. Não é bem assim. O que acontece é que quem trabalha como a recibos verdes até pode estar em teletrabalho. Agora, quem trabalha em grandes empresas, isso não acontece. Têm de ir à empresa 2/3 vezes por sema, como o exemplo cá de casa. É claro que não estou a falar de períodos de confinamento, obviamente.
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