October 09, 2021

Cavaco hoje também tem razão em muito do que diz




Tem razão quando diz que: 

- O atual Governo não foi capaz de aproveitar as condições da economia portuguesa herdadas do anterior Governo (continuou com os cortes e só apostou no turismo, digo eu); quando fala do problema da democracia estar a asfixiar, da desigualdade económica estar a crescer, de não se valorizar o mérito, de não haver investimento na economia e da oposição estar perdida, sem rumo e de braços cruzados.


Empobrecimento e silenciamento

Cavaco Silva


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Em novembro de 2000, publiquei um artigo no semanário Expresso em que começava por sublinhar que, em 1990, Portugal tinha ultrapassado o nível de desenvolvimento da Grécia — medido pelo rendimento per capita — e saído da incómoda posição de lanterna vermelha da União Europeia (UE).

Esse artigo foi, acima de tudo, um grito de alarme: a partir de 1999 tudo mudara. Portugal começara a atrasar-se em relação aos outros países e a desfazer-se a esperança de que atingisse o nível de desenvolvimento médio da UE por volta de 2010-2015. A culpa era dos erros do Governo socialista de então, como deixei escrito, e, daí, o apelo que lhe dirigi para que não adiasse as medidas estruturais indispensáveis para inverter a situação.

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Passados 20 anos, os traços marcantes da evolução de longo prazo da economia portuguesa são, inequivocamente, a estagnação económica e o empobrecimento em relação aos outros países do grupo europeu com que nos comparamos. E a culpa é também, sem margem para dúvidas, dos Governos socialistas.

Em 2004 aderiram à UE oito países da Europa de Leste, todos com um nível de desenvolvimento muito inferior a Portugal, fruto de décadas de sujeição ao estatismo comunista.

Hoje, é penoso verificar que, em 16 anos, Portugal já foi ultrapassado pela República Checa, a Estónia, a Lituânia e a Eslovénia e que as previsões são de que, nos próximos dois, três anos, o mesmo aconteça com a Polónia, a Hungria, a Roménia, a Letónia e a Eslováquia.

Nas duas décadas do século XXI, a economia portuguesa cresceu à taxa média anual de apenas 0,5%. Segundo um estudo do Banco de Portugal, a produção por habitante de Portugal em 2018 era pior do que em 1995.

Deixando de lado a Grécia, cujo Governo caiu, em janeiro de 2015, nas mãos de um partido da extrema-esquerda semelhante ao Bloco de Esquerda que arruinou a economia do país, Portugal é o campeão europeu do agravamento do empobrecimento relativo.

O empobrecimento relativo do país implica salários baixos, salários insuficien­tes para reter jovens com ambição de subir na vida e atrair imigrantes qualificados, uma classe média empobrecida, pensões de reforma que não permitem uma vida digna, desigualdades sociais e elevado nível de pobreza, cuidados de saúde de baixa qualidade para quem não dispõe de recursos para acesso à medicina privada e degradação do ensino público.

Por tudo isto são responsáveis os Governos do Partido Socialista.

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O Governo socialista de 2005 a 2011 insistiu teimosamente em políticas económicas erradas, apesar dos múltiplos alertas, e conduziu o país a uma situação de bancarrota em que ao Estado faltava o dinheiro para pagar salários e pensões e os bancos não dispunham de recursos para financiar as empresas e as famílias.

O Governo foi forçado a negociar um Programa de Assistência Económica e Financeira com a troika, em que Portugal se comprometia a executar uma política de severa austeridade e de reformas estruturais como contrapartida de um empréstimo de €78 mil milhões.

Derrotado o Partido Socialista nas eleições de junho de 2011, coube ao Governo de coligação PSD/CDS a ingrata tarefa de, sob a vigilância da troika, cumprir os compromissos assumidos pelo Governo socialista que o antecedeu. Num contexto internacional adverso, o novo Governo corrigiu os profundos desequilíbrios económicos e financeiros que o país acumulara e colocou-o numa trajetória de crescimento económico, criação de emprego e de reposição de salários e pensões atingidos pela situação de emergência financeira recebida do Governo socialista.

O atual Governo socialista, apoiado pelos partidos da extrema-esquerda, não foi capaz de aproveitar as boas condições de sustentabilidade da economia portuguesa herdadas do anterior Governo, como o fez a Irlanda, que, tal como Portugal, saiu de forma limpa do Programa de Assistência Financeira que em 2010 negociara com a troika.

Portugal continuou a crescer menos do que os países com que se deve comparar e o empobrecimento relativo, que devia ter começado a reverter, conti­nuou a agravar-se. Tem sido o reflexo de uma vitória dos partidos da extrema-esquerda apoiantes do Governo, de cujos objetivos faz parte a fragilização dos fatores de crescimento da nossa economia, e que, explicitamente, apoiam Governos de países onde impera a ditadura e a miséria. O combate à pobreza nunca foi uma prioridade efetiva do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda.

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Portugal irá receber no período de 2021-2027 apoios financeiros da UE e do Banco Central Europeu de montante elevadíssimo, nunca antes verificado. Isso não impede a previsão, muito generalizada, com a qual concordo, de que, com as orientações de política económica que têm vindo a ser seguidas pelo atual Governo, não se verificará a inversão da decadência relativa do país.

Sem uma clara mudança de rumo, que permita ultrapassar os bloqueios ao desenvolvimento económico e social, Portugal continuará a decair para a cauda da zona euro em termos de riqueza produzida por habitante. Será penoso ver o país perder uma oportunidade de ouro para se aproximar do pelotão da frente da UE.

A razão, como a maioria dos economistas tem sublinhado, encontra-se no facto de o Governo socialista não assumir como prioridade efetiva o aumento da produtividade e da competitividade através da execução de medidas estruturais e reformas do Estado que favoreçam a expansão do investimento nacional e estrangeiro nos sectores de bens transacionáveis, o aumento das exportações e o desenvolvimento de atividades de elevado valor acrescentado. O poder socialista perdeu a noção do papel do sistema de impostos no desenvolvimento económico e social do país.

Guiado por meros interesses eleitorais, o Governo aposta, acima de tudo, na expansão do consumo, o qual, no curto prazo, pode ser visto como um objetivo, mas não é um meio de promoção do crescimento económico sustentável e de melhoria duradoura do bem-estar da população num país de elevado endividamento como Portugal. A esta opção errada junta-se a atitude ideológica anti grandes empresas e desfavorecedora da iniciativa privada e da inovação.

Assim, mudança é a palavra-chave para que o país tenha sucesso económico e social.

A pandemia que atingiu Portugal, exigindo a concessão de apoios públicos extraordinários de grande dimensão às empresas e famílias, é, em boa parte, irrelevante na análise do empobrecimento relativo do país, porque o vírus atinge igualmente os outros países da UE com que nos comparamos. Não serve, portanto, de desculpa para os erros do Governo socialista.

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Por aquilo que o empobrecimento relativo do país significa em termos de perda de bem-estar da população, de ineficácia dos serviços públicos, de hipoteca sobre o futuro das gerações mais novas e de persistência das desigualdades e da pobreza esperar-se-ia que fosse um tema proeminente de debate político, objeto de grande destaque na comunicação social, no seu papel de escrutínio da ação do Governo, e de discussão permanente de analistas e comentadores. Contudo, não é isso que se verifica.

O empobrecimento do país tem estado envolto, para descrédito da nossa democracia, numa penumbra de silenciamento. Para isso têm contribuído vários fatores.

Desde logo, uma oposição política débil e sem rumo, desprovida de uma estratégia consistente de denúncia dos erros, omissões e atitudes eticamente reprováveis do Governo.

Outra razão do silenciamento do empobrecimento do país prende-se com o controlo do aparelho do Estado pelo Governo socialista, incluindo entidades da nossa democracia a quem é exigido distanciamento e independência em relação ao poder político, ao mesmo tempo que promove campanhas de descredibilização de partidos da oposição.

São muitos os portugueses que têm medo de criticar o Governo. Receiam ser prejudicados na sua vida pessoal, profissional ou empresarial, incluindo de familiares, medo de perderem o emprego ou de serem injustamente excluídos de oportunidades de realização pessoal ou de negócios.

Para o poder socialista o mérito conta pouco, a que acresce a linguagem amea­çadora, rude e mesmo ofensiva com que ataca quem ouse criticar o Governo.

Para algumas pessoas, de coluna vertebral mais frágil, o encosto ao Governo socialista é visto como a melhor posição para subirem além do princípio de Peter.

O silenciamento tem também explicação na subserviência de parte da comunicação social à lógica do Governo, à sua propaganda e desinformação, num claro afastamento dos princípios de independência e de verdade que a devem nortear, o que tem sido publicamente denunciado por conhecedores do sector.

A aposta socialista no silenciamento do empobrecimento relativo do país é uma expressão da perda de qualidade da democracia portuguesa, a que se têm referido vários autores e relatórios internacionais, sublinhando que Portugal deixou de ser uma democracia plena.

Esta realidade portuguesa tem sido classificada como “democracia deficitária”, “democracia com falhas”, “democracia meramente eleitoral” ou “democracia claustrofóbica”, e as atitudes e abusos do Governo socialista qualificados como bullying, assédio ou asfixia da democracia.

No passado mês de março, falando numa sessão partidária, lembrei um conjunto de notícias amplamente divulgadas pela comunicação social que nos deixavam uma certa ideia de que o país se encontrava numa situação de “democracia amordaçada”, o que não excluía alguns gritos de alarme que se ouviam. Filmes policiais têm mostrado como uma pessoa amordaçada consegue emitir gritos de socorro.

De então para cá a situação não melhorou, antes pelo contrário.

As forças políticas, incluindo o Partido Socialista, e os portugueses em geral enfrentam no futuro próximo dois grandes desafios.

Por um lado, recuperar as posições perdidas e aproximar Portugal do pelotão da frente dos países da UE em termos de desenvolvimento.

Por outro, trazer Portugal de volta ao grupo dos países de democracia plena.


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