A contrariar o discurso demagogo do governo.
Punir-os-Corruptos-há-falta-de-vontade-politica-nos-operadores-da-justica
Entrevista a Ana Gomes
Portugal ocupa a 33.ª posição no Índice de Perceção da Corrupção. Com a sua experiência internacional, como eurodeputada e como diplomata, vê a imagem de Portugal no estrangeiro prejudicada pela questão da corrupção.
Não me parece das questões que mais prejudiquem Portugal. Há aspetos como a burocracia ou o funcionamento lento da justiça que são mais prejudiciais à imagem internacional de Portugal...
Nomeadamente para efeitos da obtenção de investimentos?
Acho que sim. Até porque não há muita corrupção em Portugal ao nível da pequena corrupção - ou pelo menos não se sente. Em Portugal a corrupção é ao nível dos grandes negócios. Para um estrangeiro não é a pequena corrupção que avulta, aquela que sente no seu dia-a-dia. E há outros países, incluindo na União Europeia, onde a perceção da corrupção é muito mais significativa do que em Portugal.
Há diretivas europeias que faltam transpor para Portugal que fazem falta ao ordenamento legislativo português?
Não sei se há diretivas por transpor. O que acho é que há uma série de diretivas que estão mal transpostas. E não é por acaso.
Por exemplo?
Por exemplo, as relacionadas com o branqueamento de capitais. E as relacionadas com os whistleblowers [denunciantes]. Mas sobretudo no branqueamento de capitais há uma série de diretivas que estão mal transpostas e não foi por acaso.
O que é o mal transposto?
Têm frases truncadas ou interpretações distorcidas. E à boleia de uma suposta especificidade nacional efetivamente invalida-se e frustra-se o objetivo da diretiva.
Há um fingimento de ato legislativo que na prática não põe em causa nem nada nem ninguém?Exatamente. E depois há outro aspeto que é mais estrutural e que é um sistema judicial hipergarantístico que no fundo alimenta o sentimento de impunidade. O caso Rendeiro é bem exemplo disso, ou o de Ricardo Salgado, que inexplicavelmente nunca foi preso, apesar de acusado das piores coisas que se podem fazer em termos de crime económico-financeiro. Em Portugal qualquer pilha-galinhas vai logo preso - mas esses não são presos. O sentimento de impunidade resulta de um sistema hipergarantístico - e de uma aplicação hipergarantística - que acaba por contribuir para o sentimento dos cidadãos de que a corrupção domina, associada à grande criminalidade e aos meios poderosos.
Há um pacote legislativo anticorrupção que está algures na Assembleia da República. Faz falta, por exemplo, a delação premiada ou algo parecido?
Não gosto de dizer delação premiada. Gosto de falar em cooperação com as autoridades que tem de ser estimulada e que obviamente tem de implicar atenuantes nas sentenças de quem esteve envolvido em situações criminosas. Defendo isso - mas tudo sob controlo judicial e isso não é delação premiada. Defendo que se estimule a cooperação com as autoridades. A corrupção ou o branqueamento de capitais são crimes que não são de prova fácil. Portanto tem de haver algum dos participantes a denunciar ou a colaborar para as autoridades poderem agir. Esse estímulo é essencial e também já existe no nosso país. Não faço o bicho-de-sete-cabeças que alguns fazem - e fazem-no a pretexto de uma defesa do Estado de direito mas acabando por perverter esse Estado de direito a favor da criminalidade.
Há uma entidade que foi criada há uns tempos, a Entidade da Transparência, mas que afinal nunca mais avança...
E não é por acaso...
Não é por acaso porquê?
É como no caso da transposição de diretivas europeias. Faz-se porque é obrigatório e importa ser visto mas depois não é para funcionar. Esse caso é mais do que clamoroso. A inoperância dessa entidade é significativa de que não há verdadeiro interesse no seu funcionamento. E não é de agora.
Acha que o seu partido, o PS, é fraco a combater a corrupção?
Qualquer partido de poder é obviamente vulnerável à corrupção. Qualquer um - não só o meu, são todos. Portanto, deviam ter controlos internos e externos mais reforçados.
Seria um ato catártico necessário do PS, em relação a Sócrates, ter mais empenhamento no combate à corrupção?
É como no caso da transposição de diretivas europeias. Faz-se porque é obrigatório e importa ser visto mas depois não é para funcionar. Esse caso é mais do que clamoroso. A inoperância dessa entidade é significativa de que não há verdadeiro interesse no seu funcionamento. E não é de agora.
Acha que o seu partido, o PS, é fraco a combater a corrupção?
Qualquer partido de poder é obviamente vulnerável à corrupção. Qualquer um - não só o meu, são todos. Portanto, deviam ter controlos internos e externos mais reforçados.
Seria um ato catártico necessário do PS, em relação a Sócrates, ter mais empenhamento no combate à corrupção?
O caso Sócrates é exemplar. Não basta dizer que se espera que a justiça funcione e que à justiça o que é da justiça. O que é do domínio público é tão politicamente grave que obviamente impunha uma introspeção, até para o partido não ser instrumentalizado por um corrupto. Isso não foi feito.
A própria justiça, pela sua lentidão, não acaba por provocar tanto dano, ao nível da perceção da corrupção, como os próprios corruptos?
A lentidão é uma realidade. E também depende das áreas da justiça. Há áreas onde é célere. Quando fui acusada pela Isabel dos Santos, em dois meses estava a responder em tribunal - aí foi célere. É na justiça ligada ao crime económico que há uma tremenda lentidão e isso tem que ver, em parte, com as dificuldades de investigação (falta de meios, falta de recursos, etc.). Mas a outra parte tem que ver com a seletividade política, a falta de vontade política.
De quem?
Dos próprios operadores da justiça. É mesmo falta de coragem política nos operadores da justiça. Um dos grandes problemas é o trabalhar para a prescrição. É um esquema mais que usual em Portugal. As investigações iniciam-se e depois ficam a aboborar, a trabalhar para a prescrição. Dois exemplos: o caso do navio Atlântida, dos Estaleiros de Viana do Castelo; e o caso dos submarinos. Estiveram anos a trabalhar para a prescrição.
Parece uma aliança objetiva entre a investigação e os suspeitos criminosos...
Com certeza. Na prática é uma forma de garantir a impunidade e que o crime acaba por compensar. Aqui em Portugal uma boa parte da perceção da corrupção tem que ver com a outra perceção também muito arreigada da total impunidade dos criminosos, nomeadamente na criminalidade económico-financeira.
Temos um povo que colabora na impunidade?
O povo convive com a corrupção. Veja as coisas que eu fui dizendo sobre o Luís Filipe Vieira [agora ex-presidente do Benfica]. Durante anos e anos, uma parte do povo português, nomeadamente o povo benfiquista, não quis saber nada sobre a idoneidade do Luís Filipe Vieira. E assim também acabou por ser conivente.
Os vistos gold são apresentados como uma forma de captar investimento estrangeiro. Mas em sua opinião também contribuem para agravar a perceção da corrupção em Portugal?
Há um relatório da Comissão Europeia que diz que os vistos gold são um esquema perverso de infiltração de criminalidade organizada na União Europeia. Branqueamento de capitais e outro tipo de criminalidade. Quem quer fazer investimentos no nosso país não faz por causa dos vistos gold. Vem de qualquer maneira. Aliás, os vistos gold não têm de ser vendidos. Podem ser concedidos a bons investidores e isso não precisa de ser vendido. Os últimos dados sobre investimento estrangeiro direto em Portugal provam que houve uma subida desse investimento - e isso sem ter havido aumento dos vistos gold. Os vistos gold não são fator de investimento produtivo.
E agravam a imagem internacional de Portugal?
Claro. Mas Portugal, infelizmente, não é o único país a ter isso. O relatório de que falei concluiu que existem na UE pelo menos 18 países que têm esquemas semelhantes, alguns até mais perversos do que o nosso. É um fator indutor de criminalidade, além de indutor de outras perversidades económicas, como a gentrificação das cidades. A esmagadora maioria dos vistos gold teve que ver com compra de imobiliário e não teve nenhuma repercussão na criação de postos de trabalho.
joão.p.henriques@dn.pt
A própria justiça, pela sua lentidão, não acaba por provocar tanto dano, ao nível da perceção da corrupção, como os próprios corruptos?
A lentidão é uma realidade. E também depende das áreas da justiça. Há áreas onde é célere. Quando fui acusada pela Isabel dos Santos, em dois meses estava a responder em tribunal - aí foi célere. É na justiça ligada ao crime económico que há uma tremenda lentidão e isso tem que ver, em parte, com as dificuldades de investigação (falta de meios, falta de recursos, etc.). Mas a outra parte tem que ver com a seletividade política, a falta de vontade política.
De quem?
Dos próprios operadores da justiça. É mesmo falta de coragem política nos operadores da justiça. Um dos grandes problemas é o trabalhar para a prescrição. É um esquema mais que usual em Portugal. As investigações iniciam-se e depois ficam a aboborar, a trabalhar para a prescrição. Dois exemplos: o caso do navio Atlântida, dos Estaleiros de Viana do Castelo; e o caso dos submarinos. Estiveram anos a trabalhar para a prescrição.
Parece uma aliança objetiva entre a investigação e os suspeitos criminosos...
Com certeza. Na prática é uma forma de garantir a impunidade e que o crime acaba por compensar. Aqui em Portugal uma boa parte da perceção da corrupção tem que ver com a outra perceção também muito arreigada da total impunidade dos criminosos, nomeadamente na criminalidade económico-financeira.
Temos um povo que colabora na impunidade?
O povo convive com a corrupção. Veja as coisas que eu fui dizendo sobre o Luís Filipe Vieira [agora ex-presidente do Benfica]. Durante anos e anos, uma parte do povo português, nomeadamente o povo benfiquista, não quis saber nada sobre a idoneidade do Luís Filipe Vieira. E assim também acabou por ser conivente.
Os vistos gold são apresentados como uma forma de captar investimento estrangeiro. Mas em sua opinião também contribuem para agravar a perceção da corrupção em Portugal?
Há um relatório da Comissão Europeia que diz que os vistos gold são um esquema perverso de infiltração de criminalidade organizada na União Europeia. Branqueamento de capitais e outro tipo de criminalidade. Quem quer fazer investimentos no nosso país não faz por causa dos vistos gold. Vem de qualquer maneira. Aliás, os vistos gold não têm de ser vendidos. Podem ser concedidos a bons investidores e isso não precisa de ser vendido. Os últimos dados sobre investimento estrangeiro direto em Portugal provam que houve uma subida desse investimento - e isso sem ter havido aumento dos vistos gold. Os vistos gold não são fator de investimento produtivo.
E agravam a imagem internacional de Portugal?
Claro. Mas Portugal, infelizmente, não é o único país a ter isso. O relatório de que falei concluiu que existem na UE pelo menos 18 países que têm esquemas semelhantes, alguns até mais perversos do que o nosso. É um fator indutor de criminalidade, além de indutor de outras perversidades económicas, como a gentrificação das cidades. A esmagadora maioria dos vistos gold teve que ver com compra de imobiliário e não teve nenhuma repercussão na criação de postos de trabalho.
joão.p.henriques@dn.pt
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