August 01, 2021

Duas palavras - 2ª - entusiasmo

 


Perguntam-me com frequência se há alguma maneira «simples» de aprender o grego antigo. A semelhante pergunta respondo sempre abrindo os olhos e perguntando se há alguma maneira «simples» de correr uma maratona - cuja distância de quarenta e dois quilómetros e cento e noventa e cinco metros foi fixada por Pierre de Coubertin quando, no final do século XIX, decidiu re-instaurar os antigos Jogos Olímpicos e adoptar como medida da prova a distância entre Atenas e a cidade de Maratona.

A questão não é, nem de treino nem de tortura. Obrigar os meus amigos a citar de memória o Rocci (Vocabulário Greco-Latino de Lorenzo Rocci, publicado pela 1ª vez em 1939 e usado por todos os estudantes italianos  do liceu à faculdade) seria como obrigar-me a calçar as sapatilhas de desporto e ter de correr às seis da manhã debaixo de neve. 

Os gregos antigos acreditavam que nada do que merece a pena acontece apenas porque sim. Souberam dar a palavra exacta à força que nos impulsiona a sermos a melhor versão de nós mesmos, trabalhosa, sim, mas fascinante: «entusiasmo» ενθουσιασμός (/enthousiasmós/). Um dos impulsos mais necessários em tempos de cada vez mais indolência, como são estes em que vivemos.

A sua etimologia deriva do grego antigo ενθουσιάζω (/enthousiádso/), isto é, «estar inspirado», por sua vez proveniente do vocábulo ένθεος (/enthéos/), composto pela particula, έν (/en/) e o substantivo θεός (/theós), Deus.

No entanto, a religião não tem nada que ver com este étimo: o entusiasmo não é uma questão de fé, mas de tensão para o alto. Paixão, inspiração, intensidade, ganas e necessidade de conseguir a todo o custo. Era a consciência da pequenez humana que impulsionava o soldado a lutar na batalha ou o poeta a invocar quem estava acima dele: «Canta-me, oh musa!»

Se tivesse que traduzir hoje esta palavra, diria simplesmente: «desejo e determinação em direcção a alguém ou algo»; porém, não pode realizar-se por si só: as estrelas fugazes que nas noites de Agosto guardam os nossos sonhos em silêncio (com efeito, não podemos revelá-los a ninguém porque «traz má sorte») não são entusiasmo. São súplicas. Se se quer de verdade não interessa implorar nem rezar. A única possibilidade é dar o melhor de nós mesmos e termos confiança num sentimento que nos leva a «ser mais» do que pensávamos; não tem que tem que ver com o nosso tamanho mas com o que estamos dispostos, com «entusiasmo», a dar. 
Homero não se limitou a sentar-se e a esperar que uma musa descesse dos cumes do Hélicon e lhe ditasse uma Ilíada e uma Odisseia.

Como podemos pensar que os nossos filhos aprenderão sozinhos o respeito por si mesmos ou que o mundo se dê conta, de repente, que a cultura não se come, mas vive-se, sem sermos os primeiros a ansiar por algo melhor? Nas palavras de Marguerite Yourcenar, uma escritora que nos faz querer ser melhores:

toda a vida sofri pelo facto do entusiasmo não se comunicar como um rastilho de pólvora (...) Aprendi que não basta pôr as pessoas diante de uma paisagem bonita ou de um bom livro para que os apreciem

Acaso é o exemplo o que conta quando se fala de paixão? Não, é o «entusiasmo». Podemos ter a biblioteca mais valiosa do mundo, mas se ninguém nos guiar, dando-nos a mão, nunca saberemos que livro escolher. 

Na Grécia Antiga houve a humildade de encontrar a palavra para dizer, «sigo o meu instinto, mas fica comigo a meu lado e leva-me longe na minha inspiração» [com o teu entusiasmo].

O vocábulo foi depois esquecido por milénios, para ser recuperado, a pouco e pouco, a partir do século XVI: o verbo entusiasmare em 1845 e o adjectivo entusiasmante em 1946.  

«Entusiasmo»: uma força, uma paixão que se transmite em cadeia.




do livro, Etimologías Para Sobreviver Al Caos de Andrea Marcolongo, ed. taurus (com adaptações)

No comments:

Post a Comment