Pensado a partir da Guerra ao Terror, o conceito tem ainda sido utilizado para analisar o conflito israelo-palestiniano como forma de promover o apoio a Israel e a condenação da Palestina. Mas acabou por se generalizar nas lutas culturais que marcam os nossos dias como arma de crítica aos homossexuais que, associando nacionalidade e reivindicações LGBT, justificariam posições racistas e xenófobas, especialmente contra muçulmanos. O exemplo francês pode ser usado para compreender a dinâmica subjacente: os estudos revelam que a comunidade LGBT tem demonstrado um apoio crescente ao partido de Marine Le Pen na última década. A razão? Receio perante o crescimento da comunidade muçulmana, que põe em causa uma vivência tranquila de acordo com os valores ocidentais (Submissão, de Michel Houellebecq, é fundamental para esta reflexão). Para Puar, tal é uma manifestação de homonacionalismo.
Como podemos enquadrar tudo isto no movimento mais amplo da esquerda radical? Para aqueles que subscrevem os princípios daquilo que Helen Pluckrose e James Lindsay chamam de pós-modernismo aplicado, a identidade individual dissolve-se na pertença a um determinado grupo para o qual remete a nossa identidade. É neste sentido que estes movimentos de esquerda radical são regularmente designados como movimentos identitários: acreditam que a nossa pertença a uma identidade determina o nosso posicionamento no esquema social mais amplo, regulado por dinâmicas de poder entre grupos privilegiados e grupos marginalizados. É o facto de pertencermos a determinado grupo que nos faz ter determinadas experiências pessoais, que são irrepetíveis por parte das pessoas que não partilham a mesma identidade. Mais ainda: essas experiências pessoais devem determinar a nossa visão da vida e as nossas obrigações políticas. Uma mulher consciente será sempre uma feminista ciente da sua condição de oprimida pela sociedade patriarcal em que vive e do seu dever de luta contra tal sociedade (caso não o faça, falaríamos em feminacionalismo, termo cunhado desta vez por Sara R. Farris).
Mas essas múltiplas condições identitárias (ser mulher, gay, negro, não-binário, etc.) são unidas num projeto comum: uma luta interseccional, que junta todos os marginalizados contra o grupo que detém a condição de privilégio (o homem, branco, heterossexual). O objetivo final desta luta interseccional é a criação de uma sociedade radicalmente diferente da nossa e que se libertaria dos padrões opressivos da cultura branca, patriarcal e heteronormativa – pelo que há uma recusa fundamental do atual modelo da sociedade ocidental.
Os comentários que querem limitar estes novos movimentos por justiça social a novas roupagens do marxismo esquecem um aspeto essencial: a importância atribuída aos aspetos económicos pela abordagem identitária é residual. Aquilo que mais determina a nossa condição são aquelas identidades e não o nosso posicionamento socioeconómico. Na verdade, os partidos políticos que ainda reivindicam a herança marxista colocam-se precisamente contra este tipo de movimentos por considerarem que os aspetos económicos são anteriores e mais relevantes do que a condição identitária
Voltemos ao homonacionalismo. Qual é o problema, então, de homossexuais defenderem que os seus direitos e reivindicações nunca foram tão assegurados como nas sociedades ocidentais atuais? O problema é que estão a recusar o discurso oficial identitário de que as sociedades ocidentais são portadoras do mal absoluto e devem ser absolutamente recusadas. E por que razão não podem criticar os países não ocidentais onde os direitos LGBT não são assegurados e a condição queer é penalizada? Porque no jogo mais amplo das dinâmicas de poder, esses são países oprimidos e criticá-los significa pactuarmos com essa opressão.
É por não reconhecerem este tipo de obrigações identitárias que pessoas como Milo Yiannopoulos e Douglas Murray se tornam alvo de ataques frequentes – por não se comportarem de acordo com o prescrito para a sua identidade (homossexual) e por não subscreverem os discursos oficiais dos movimentos identitários. Quando um destes membros se recusa a fazê-lo, está a recusar a crítica e suspeita generalizada ao modelo da sociedade ocidental e a pactuar com os grupos opressores. Mas está também a recusar a sua verdadeira identidade (daí a acusação frequente de que não são verdadeiros homossexuais, mulheres verdadeiras, verdadeiros negros, etc.).
Um homossexual que se recuse a subscrever os princípios identitários desta esquerda radical e a entrar na lógica da interseccionalidade e transnacionalidade – apoiando, por exemplo, uma candidata que se posiciona contra aqueles princípios – está a colocar-se ao lado daqueles que defendem o nefasto nacionalismo. De acordo com Mamadou Ba, foi exatamente isto que Manuel Luís Goucha fez. Tornou-se, com isso, o inimigo a abater por ousar ter uma sinistra e inaceitável decisão individual.
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