June 09, 2021

Educação III

 


Concordo com praticamente tudo o que esta articulista aqui escreve sobre os obstáculos da mobilidade social na nossa sociedade, nomeadamente a força dos marcadores culturais.

Só queria deixar aqui uma nota quanto à 'solução' que ela propõe no fim do artigo, onde diz que não se pode desistir dos alunos (fique sabendo que nós não desistimos dos alunos e mais, muitas vezes lutamos por eles, apesar dos pais já terem desistido deles) e que os alunos têm que fazer visitas de estudo, contactar com casos de sucesso, ser expostos à beleza, à cultura, ver filmes, dizerem-lhes as vantagens de tirar um curso. 

Isso tudo se faz nas escolas em abundância. Não sei o que esta senhora pensa que são as escolas. Miúdos fechados em salas a ouvir professores falar de matérias? 

Quanto mais desfavorecido é o meio e os alunos, mais meios têm que ter à disposição. O filho desta senhora, se não tiver uma boa mediateca na escola, tem em casa; se fizer poucas visitas de estudo porque os seus professores têm 150 alunos e combinar uma visita para tanta gente é um trabalho extra que pode levar dois meses a fazer nas horas livres (e desde o Crato as visitas de estudo não são consideradas trabalho para o professor e tem que repor-se esses tempo em aulas e o trabalho de burocracia é infernal), não faz mal porque a mãe leva-o ao museu, a outras cidades do país; se não apanhou bem um problema ou um conceito na escola, a mãe em casa explica ou se está num período de desenvolvimento um bocadinho entrópico, não faz mal que arranja-se-lhe um explicador durante uns meses, etc. Mas o filho de uma mãe solteira que trabalha como assistente num infantário e tem o 9º ano não tem maneira de fazer nenhuma dessas compensações. O melhor que esta mãe consegue é comprar um smartphone ao filho. 

Ora, o que acontece é o oposto do que devia acontecer: quando mais alto se sobe na hierarquia social, mais condições têm as escolas onde esses alunos andam. 

Portanto, voltamos ao mesmo. É preciso que em vez de anunciarem que têm 900 milhões para os directores, autonomia da escola, anunciem que reduziram o número de alunos por turma e o número de turmas por professor. E dêem condições às escolas. 

Há professores a pagarem as visitas de estudo de alunos, a pagarem-lhes livros e outras coisas. Olha, já agora paguem-nos o que nos devem.

Façam o mais importante: se querem mobilidade social têm que a pagar e começa por aqueles mesmos que falam muito mas não estão no terreno fazerem a sua parte e darem o exemplo: não peçam cunhas de empregos e de boas notas para os vossos filhos e amigos; não os enfiem nos governos e autarquias; não desviem dinheiro, não tapem a entrada de independentes no parlamento e na vida política, não aprovem leis de censura. Em suma, dêem o exemplo de contribuir para uma sociedade onde o mérito conta e não apenas o apelido de família e as cunhas no partido.

Quando vemos que o fosso entre as classes sociais se alarga e os governos persistem nos caminhos de ainda alargarem mais esse fosso, como pensam que a escola, por muito que faça, possa ser capaz de contrariar essa força social não-democrática, que vem de cima dos próprios governantes e avança cada vez com mais força?  Um milagre? 
As pessoas não têm noção de que as coisas estão ligadas umas às outras? Quantas vezes ouvimos falar de um pessoa com um um bom currículo ou uma boa formação ter sido preterida por alguém do apelido certo? Quantas vezes ouvimos falar de concursos-fotografia? Quantas universidades praticam a endogamia? Quantos boys são contratados pelos governos? A escola contraria esta tendência cada vez mais óbvia de quem pode favorecer os seus, com visitas de estudo? 

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