June 05, 2021

duas palavras - 1ª felicidade

 

Felicità Raggiunta

Felicità raggiunta, si cammina
per te sul fil di lama
Agli occhi sei barlume che vacilla,
al piede, teso ghiaccio che s'incrina
e dunque non ti tocchi chi più t'ama

Se giungi sulle anime invase
di tristezza e le schiari, il tuo mattino
è dolce e turbatore come i nidi delle cimase
Ma nulla paga il pianto del bambino
a cui fugge il pallone tra le case

— Eugenio Montale

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Felicidade Alcançada

Felicidade alcançada, caminha-se
para ti sobre o fio da navalha
Para os olhos és uma chama que vacila
para o pé, és fino gelo que estala
e por isso, não te toque quem mais t'ama

Se te achegas a essas almas plenas
de tristeza e as libertas, a tua manhã
é doce e perturbadora como os ninhos nos beirais
Mas ninguém consola o choro da criança
a quem escapa o balão por entre as casas

(tradução minha)

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- no poema, a felicidade é tão delicada que se caminha para ela em equilíbrio e toda a força (ou stress) a quebra e apaga. Se a felicidade é alcançada é tão doce e perturbadora como a luz da manhã, que surpreende e encanta e liberta a alma de tristezas, mas se a deixamos fugir, depois de a vermos, vislumbrarmos ou alcançarmos, ninguém nos consola. Portanto, a felicidade é para quem está disposto ao sofrimento de caminhar até ela no equilíbrio instável e doloroso do fio da navalha sem perder a delicadeza. 
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A felicidade, parece-me, vem das pessoas/coisas que nos inspiram. É uma inspiração, seguida de expansão, acção, modificação. Existem as pessoas/coisas que nos 'inspiram' (uma palavra que começa no grego pneuma, ar, no sentido de espírito que nos enche e anima, dá vida, literalmente (anima=alma=vida) e ao fazê-lo libertam-nos do estado de estar [espiritualmente] morto e causam em nós aquela expansão activa própria da felicidade.

Para falar em termos kantianos, se queremos o fim, também temos que querer os meios de lá chegar e os meios de lá chegar são procurar e identificar as pessoas/coisas que nos inspiram, conservá-las com aquela delicadeza de que fala o poema e estar disposto a sofrer o fio da navalha por elas. 

A felicidade não é ataraxia, aquele estado de tranquilidade inactiva dos estóicos e epicuristas. A felicidade é espírito, é acção, é criação. Todos/tudo que nos inspire origina felicidade se nos leve à criação, à actividade, à expansão, à reinvenção. Na felicidade há exaltação - a felicidade não está nas coisas ou em ter coisas a não ser nas coisas que nos inspiram e não está nas pessoas a não ser naquelas que nos inspiram desta maneira activa e criativa. O que leva à 2ª palavra - poesia, a poiesis.

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