Agora a sério, muito provavelmente este juiz tem uma noção kantiana do casamento. Como uma das formulações do imperativo kantiano exige que uma pessoa nunca se use do outro como um meio mas sempre como um fim em si mesmo, a sexualidade era, para ele, um problema que só o casamento resolvia. A sexualidade em si mesma enquanto instinto humano levava à coisificação do outro, à visão do outro como um instrumento do seu prazer, o que por sua vez implica a degradação da sua dignidade. Incluída no casamento monógamo, cujo fim ultrapassa o mero prazer, a sexualidade revestia-se de dignidade. Dito de outro modo, o casamento era um contrato que as pessoas faziam para que ambos pudessem ter relações sexuais sem problemas sociais.
Esta visão está completamente ultrapassada. Hoje em dia nem se percebe porque há-de haver casamento, dado que não há, nem o problema dos filhos serem ilegítimos, nem o da repressão sexual, nomeadamente das mulheres. Ou por outra, percebe-se: as pessoas gostam da festa com os vestidos compridos e a cena toda ritualista.
Se este juiz entende que uma pessoa casada é obrigada, por esse contrato, a ter relações sexuais mesmo contra a sua vontade e desejo, está a cair no paradoxo de considerar que o casamento serve o propósito de cada um dos seus membros poder 'servir-se' do outro como uma coisa que lhe pertence. O que vai contra todos os desígnios tradicionais e moralistas de dignidade atribuídos ao casamento que, depreende-se, ele deve partilhar.
Mulher de 66 anos condenada em França por recusar fazer sexo com o marido
Tribunal de Versalhes determinou que recusa é “uma violação grave" dos deveres do casamento. Bárbara avançou para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Lina Papadaky (Kantian marriage and beyond)
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