Eutanásia: as falácias dos anti-referendo
José Ribeiro e Castro
O mal fundamental existe; e só pode ser curado de duas formas: ou nas eleições de 2023, ou num referendo. Fugir a ambos é clara fraude democrática. Parece haver uma demofobia crescente a medrar na AR.
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O texto do deputado José Manuel Pureza no “Duelo” do Expresso de sábado passado é uma boa síntese das falácias habitualmente usadas pelos que querem bloquear a reclamação popular do referendo sobre a eutanásia. Vale a pena revê-las, uma a uma.Concordância - há um 'demofobia crescente a medrar no Parlamento português.' Disso não há dúvidas e muito têm feito os deputados para diminuir a participação da população nas decisões que lhes dizem respeito.
Discordâncias - a eutanásia não é contra a vida, é a favor de uma noção de vida que inclui a auto-determinação da pessoa (que não pode deixar de fora, desde logo, o seu corpo), não em certas circunstâncias, mas na totalidade da sua vida.
Dizer que ser a favor da eutanásia é ser contra a vida, é como dizer que ser contra a eutanásia é ser contra a auto-determinação da pessoa, logo ser a favor da pessoa não ter liberdade de decidir da sua vida e tê-la tutelada por outros. Ora, não me parece que os opositores à eutanásia sejam contra a liberdade e a auto-determinação da pessoa, da mesma maneira que os que são a favor não são contra a vida. Por conseguinte, pôr as coisas nesses termos é embotar a discussão.
Quando da mal sucedida Constituição Europeia, os referendos em vários Estados-membros incluíam a adopção vinculativa da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais. Em vários países, já se efectuaram e continuam a efectuar-se referendos sobre alteração do regime de direitos individuais ou a adopção de novos.
Nem a Carta dos Direitos Humanos, nem os direitos que dela constam estavam a referendo, o que estava era a sua adopção vinculativa, sendo que isso é um pré-requisito para a pertença à UE: daí os problemas que tem havido com a Hungria e daí a Turquia não ter entrada na UE: é que a UE não considera os direitos humanos uma opção que os países possam escolher não respeitar.
Parece até normal e saudável que matérias de direitos, liberdades e garantias sejam um objecto típico de referendos – e não o contrário. Normalmente, os cidadãos sabem melhor o que querem para si do que os Estados.
O problema aqui, como Ribeiro e Castro bem sabe, está na questão que iria a referendo que tornaria o referendo redundante, na medida em que sabemos como pôr as questões para obter certas respostas e seria isso o que os partidos quereriam, o que anula o próprio acto.
Se a questão fosse, 'concorda que se matem pessoas, etc'. - penso seria a proposta de texto das pessoas que são contra a eutanásia, focar-se no matar pessoas - a resposta seria não, obviamente; mas se o texto da questão fosse, 'concorda que se respeite a decisão da pessoa livre em por termo à sua vida em certas condições, etc.', a resposta seria sim e, este seria o texto dos que são a favor: vincariam a liberdade e a decisão da pessoa.
Quer dizer que o modo como se põe a pergunta vicia a resposta assim como o modo como se põe os termos do problema - ser contra a vida ou ser contra a liberdade, têm viciado a discussão.
Nunca pensei neste problema do referendo que me parece muito complicado, pois de um lado corre-se o risco de se querer referendar diretos básicos, do outro lado, corre-se o risco do povo não ter uma palavra a dizer sobre os assuntos que se legislam e que afectam a sua vida.
Sou a favor da eutanásia porque concede direitos sem retirar direitos a ninguém: a lei não obriga a eutanasiar alguém ou a que alguém se sinta obrigado a pedir a eutanásia.
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