September 29, 2020

Ondas de obscurantismo

 



Sotoudeh e Maryam Lee : duas mulheres entre o véu e a morte

Par Martine Gozlan



A iraniana Nasrin Sotoudeh e a malaia Maryam Lee arriscam a vida por terem contestado o uso obrigatório do véu, ao mesmo tempo que, em França, a onda de obscurantismo ameaça o laicismo e os direitos das mulheres: a sua história devia fazer reflectir.

Duas mulheres que nunca se encontraram partilham o mesmo destino a 6000 km uma da outra: a recusa do véu islâmico e as ameaças de morte. A primeira, Nasrin Sotoudeh, 57 anos, tem o rosto emaciado pelos 45 dias de greve de fome e pelas condições da prisão de Evine, próximo de Teerão. Encarcerada várias vezes desde 2010 por ousar defender os direitos das mulheres e das crianças, Nasrin tornou-se o símbolo da inumanidade do regime dos mollahs. Depois de ter assumido a defesa de uma mulher que recusava usar o véu islâmico voltou a ser encarcerada e condenada a 12 anos de cadeia por "incentivar ao deboche".

A segunda, Maryam Lee, 28 anos, vive na Malásia. Em 2017 decidiu retirar o véu que trazia desde os 9 anos de idade. No seu país, maioritariamente muçulmano o 'tudung', como chamam a esse pedaço de pano que tanto sangue faz correr não é obrigatório mas, a pressão social por parte dos muçulmanos é tal que o adoptaram. No seu livro, 'As escolhas desveladas' ela conta como tomou consciência que descobrir os cabelos e a face não era um pecado. Desencadeou a fúria do ministro dos assuntos religiosos que abriu imediatamente um inquérito sobre ela. O resultado são milhares de ameaças de morte nas redes sociais e nas mesquitas.

« Mesmo sem justificações legais as mulheres são consideradas criminosas se quiserem tirar o véu e presas por atentado contra a sociedade.» explica Maryam Lee à l’AFP. A Malásia tem mais de 60% de muçulmanos. Os casamentos entre muçulmanos e não muçulmanos é estritamente interdito. O primeiro-ministro é um dos dirigentes mais anti-semitas do mundo. Tudo está ligado: a exclusão das mulheres e a cultura de mentira e ódio.

Ambas as mulheres, uma na teocracia dos mollahs xiitas, a outra na monarquia parlamentar onde o islão sunita dita os comportamentos, são reféns de um sistema judiciário e mental que faz do véu o sinal supremo da adesão ao islão e da sua rejeição uma prova de traição que merece a flagelação -Nasrin foi condenada a 148 chicotadas- ou a morte.

Estes dois dramas são apenas mais um episódio da sinistra saga do véus islâmico. Um trapo reivindicado há 40 anos, em todas as terras muçulmanas como o estandarte do islão político. Entretanto em França todo o franzir de sobrolho face à instrumentalização deste emblema é acusado de islamofóbico por parte de certas pseudo-feministas - melhor era que olhassem as vidas martirizadas das mulheres em Teerão e Kuala-Lumpur.

(tradução minha)

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