Hoje já posso estar um tempo limitado no computador. Baixei a luminosidade do ecrã.
A minha operação correu bem. Acontece que agora tenho os olhos desajustados e assim vão continuar até operar o outro. A primeira consequência que notei, neste desajuste, foi o aspecto das cores. Quando tapo o olho operado e vejo pelo não-operado, as cores, que sempre me pareceram normais, aparecem sombrias e saturadas, comparadas com as cores que vejo quando olho só com o olho operado. Neste, as cores aparecem impregnadas de luz. O mundo visto por esse olho é todo luminoso.
Um dos meus olhos é Vermeer e o outro é Van Gogh.
Calculo que quando operar o outro olho, ambos os olhos sejam Van Gogh, durante um tempo. Depois, como deixarei de ter um Vemeer para comparar, a luminosidade será o normal e deixarei de a notar.
Isto faz pensar. Sabemos que não sabemos como os outros vêem, quer dizer, como as coisas aparecem às suas percepções, mas outra coisa diferente é termos experiência dessas diferenças, porque talvez essas diferenças expliquem, em parte, os comportamentos.
Talvez o optimismo que costuma marcar a infância e a adolescência se deva a terem os olhos novinhos em folha e vejam o mundo cheio de magia desse excesso de brilho que cobre tudo, como o meu olho Van Gogh. O outro olho, mais sombrio e renascentista, digamos assim, é mais profundo.
Talvez Van Gogh tenha sido Van Gogh, pelo menos em parte, por ter olhos impressionistas e tudo lhe aparecer cheio de luz.
Quem sabe? Seja como for vou aproveitar esta experiência enquanto durar e guardá-la na memória.

