Sou republicana, pela razão das monarquias serem hereditárias, vitalícias e não sufragadas. No entanto, vejo o lado positivo e o valor dessas mesmas características numa monarquia parlamentar, constitucional. Vejo o valor das monarquias como reserva de coesão de uma nação.
Um/a monarca sério, que encarna os valores e ideais de um povo e também um modo de se ser governante, um modo de serviço, como é esta rainha inglesa, é como aquelas pessoas que não se destacam na vida do quotidiano mas que numa crise florescem, salvam o dia, o mês, o ano ou a vida.
Nem todas as monarquias têm esse valor. Algumas são tão minadas pelo privilégio, pela auto-indulgência, pela falta de moralidade e de valor que perderam completamente a sua força e o laço de identidade com o povo que deviam servir e não servem. No entanto, algumas têm esse valor e preservam-no, pese embora tenham no seu percurso monarcas e episódios lamentáveis.
Estou a ler este livro que o meu filho me deu sobre a colecção de arte da Casa Real inglesa. A colecção começa antes de Henrique VIII embora pouca coisa tenha sobrevivido dessa época de guerra civil de tentativa de implantação de república onde destruíram tudo e até derreteram a coroa, como fazem todos os revolucionários que querem acabar com a memória dos povos, isto é, começam por destruir os símbolos e datas que fazem a coesão das nações.
Mesmo com essas destruições, a colecção tem mais de 500 anos e o que é interessante é que essa colecção acompanha os acontecimentos da história inglesa e da sua coroa: os reis, as batalhas, as vitórias, algumas derrotas, as construções, os acordos, os laços familiares com outros povos. Um inglês que a veja, vê a história do seu povo, o monarca vê também a história da sua família, pois nele, ambos são indissociáveis.
Vemos todos aqueles acontecimentos que a monarquia ainda celebra anualmente com datas e rituais todos os anos renovados. Datas, objectos e rituais não são coisas supérfluas. Tal como os aniversários e os objectos da vida de uma pessoa, as datas da vida de uma nação e os objectos que as lembram e marcam mantêm viva e coesa a sua identidade.
Um monarca trás em si a História do povo, como cada um de nós trás em si a história dos seus pais e avós e dos acontecimentos que marcaram essa história, pois no monarca, a história do povo confunde-se com a história da sua família. Um monarca é como um actor que veste os trajes do seu personagem e interioriza a sua vida, a sua linguagem, a sua história, a sua herança. E se esse actor passasse a sua vida no palco a representar esse personagem, a certa altura confundia-se com ele, incorporava-o na sua carne e sangue e deixava de ver-se como uma pessoa separada do personagem que tem de ser e não apenas representar. O monarca é educado nessa representação.
Nenhum partido, nenhum político substitui isto.
É isto que muitos críticos não vêem e até familiares. Quando o neto da rainha vem a público fazer queixas da granny, a avozinha, como ele lhe chama, falha em ver que não é da avó que se queixa mas da rainha e que a rainha não é uma velhinha idosa, mas um país e toda a sua história.
Há umas duas semanas fui ao YouTube ver a coroação da rainha inglesa. É um espectáculo impressionante, não apenas de poder mas de história. A rainha é ungida e coroada na cadeira/trono de Eduardo o Confessor (o tal cuja coroa os republicanos derreteram na guerra civil), um dos últimos reis saxões, primo de Guilherme o Conquistador. Tem mais de 1000 anos. Depois, é precedida, no cortejo, por cavaleiros das Ordens mais antigas, vestidos como então - trazem a história para a cerimónia como uma invocação do valor e presença dos antepassados; é envolvida num manto do império bizantino e ungida com óleos que supostamente ungiram Salomão. E todo o ritual que envolve a espada do Conquistador e outros objectos tem como propósito que o monarca saia dali vestido, para sempre, com as 'vestes' da nação, para não mais as tirar.
É por isso que, mesmo em família, toda a gente faz a vénia protocolar à rainha. Para que não esqueça que mesmo em família não deixa de ser a rainha e deve comportar-se como tal e para que os outros não esqueçam que são uma família ao serviço da coroa. É por isso que por vezes ou muitas vezes parece desfasada dos tempos modernos. É porque o monarca é ele e os seus antepassados.
É claro que quando as monarquias se deixam minar pelo privilégio, pela auto-indulgência, pela falta de moralidade e falta de bom senso estóico, gerações umas atrás das outras, por vezes desaparecem, mas uma monarquia com milénios de existência não se deita para o lixo sem lhes dar o benefício de errarem com um ou outro monarca. Os políticos raramente estão à altura e não deitamos fora as democracias por causa disso. E não são mais baratos. Por exemplo, li que os gastos do governo de Costa já vão em 78 milhões de euros.
É impossível de se substituir uma monarquia de milénios ou séculos por qualquer coisa levemente parecida com a força e a alma que essas pessoas possuem e o potencial que daí lhes advém em benefício do país.
Nós tivemos uma monarquia com muito valor durante séculos e depois demos cabo dela, em parte por gerações de monarcas sem bom senso e em outra parte por termos um povo analfabeto com governantes de vistas curtas que não valorizam o que têm. Uma pessoa esquece-se que durante todo o século XVIII recebemos ouro do Brasil. Ao todo, foram 850 toneladas de ouro que vieram para Portugal durante o século XVIII e se esfumaram em gastos luxuosos, tirando um interregno de desenvolvimento com Pombal. Tínhamos tanto ouro que não o contávamos à grama mas ao quilo e por causa de nós o preço do ouro no mundo baixou. Um século inteiro a receber ouro aos milhares de quilos e no fim estávamos pobres... nenhuma monarquia sobrevive a tanta estupidez durante tanto tempo...
Mas enfim, os ingleses, na minha modesta opinião se acabam com a monarquia quando a rainha se for, são doidos.
Não esquecer que a atual realeza inglesa tem origem alemã...
ReplyDeleteE então? Todas as casas reais têm sangue de outras casas reais de outros países. Casavam-se todos entre si.
ReplyDeleteDe acordo, mas existe o pormenor dele ter mudado o nome de Battenberg para Mountbatten, para soar mais inglês.
ReplyDeleteSim, mas isso que interessa? Teve importância na altura das guerras. Agora não. Antes disso, a rainha Vitória e o marido eram de origem alemã e isso levantou menos problemas que os reis e rainhas bretões que tiveram ao longo da história.
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