Este documentário é muito bom. Nos anos 60 do século XX, em Chicago, um grupo pequeno de mulheres jovens resolveu ajudar as raparigas e mulheres que precisavam de abortar e que não tinham ninguém que as ajudasse, dado ser ilegal nos EUA. Eram mulheres que tinham passado por experiências horríveis de abortos ou que tinham testemunhado casos terríveis de abortos. E muitas mortes. Todos os dias morriam mulheres em abortos clandestinos, feitos muitas vezes por abusadores sexuais. Então, montaram um sistema de abortos que rapidamente se tornou conhecido entre as mulheres. Tinham um indivíduo a trabalhar com elas, um homem que tinha sido treinado por um cirurgião e o principal cuidado delas era, para além de realizar os abortos com segurança, tratar as mulheres sem juízos paternalistas, como era então comum entre os médicos G-O, quase todos homens, mas com muito respeito, cuidado e humanidade. O documentário entrevista as Janes, como eram conhecidas e as mulheres que recorreram aos seus serviços. Para estas mulheres que chegavam às Janes em pânico e aterrorizadas, algumas já com experiência de terem feito um aborto terrível, a experiência transformava a vida delas. Nos anos 60 o mundo era (ainda mais) masculino. A profissão médica era uma profissão de homens e os ginecologistas, salvo algumas excepções, tratavam as mulheres como 'casos' na melhor das hipóteses e com desprezo paternalista na pior. Uma das mulheres que recorreu às Janes conta que estava estupefacta, enquanto esperava a sua vez e ouvia as Janes falarem com as raparigas e as mulheres e explicar tudo: o que iam fazer, como decorria o procedimento, o que iriam sentir, que dúvidas tinham, se queriam isto assim ou assado. E ela diz que pensou, 'nunca tinha tido experiência da medicina assim, com as pessoas a tratarem-nos com respeito e consideração, interessadas na nossa humanidade e acima de tudo o que me espantava é que isto fosse ilegal, quando achava que era assim que devia ser toda a medicina'. Bem, hoje em dia é, mais ou menos, mas não era assim na época. As Janes acabaram por ser denunciadas por duas mulheres muito católicas, daquelas formatadas para não terem respeito pelas outras mulheres, apenas pelos homens, os que as vestem as vestes do poder. Isso não as parou e muito menos às mulheres desesperadas que precisavam de abortar. Imensa coragem e abnegação. Só não foram parar à cadeia para o resto da vida porque a advogada delas protelou até sair a decisão de Roe v. Wade que legalizou o aborto nos EUA. Este documentário não é só sobre umas mulheres que resolveram criar um serviço para fazer abortos, é acima de tudo sobre mulheres que desafiaram a lei porque a lei desrespeitava as mulheres e as tratava como crianças, como não existentes em termos de direitos civis, pessoas que não podem decidir das suas vidas por si mesmas. Homens decidiam sobre as suas vidas sem saberem nada do que é a vida das mulheres, do que passam, do seu corpo, das dificuldades. Enfim, o documentário é sobre lutar por uma sociedade mais justa, mais humana, mais informada.
Vi que estreou um filme chamado, Call Jane, sobre esta organização, cujo trailer vem a seguir a este. Também hei-de vê-lo.