É pena que o espírito crítico de homens e mulheres de Ciência do nosso país, no caso do AO90, continue a primar por um estranho silêncio.
Maria do Carmo Vieira in www.publico
Uma pessoa adulta, educada academicamente e que domina a língua pode introduzir termos estrangeiros, dobrar regras, brincar com a gramática, com a fonética, etc. Agora crianças e adolescentes que estão a entrar na língua, a construir a sua arquitectura linguística têm que ser ensinados segundo as regras, sob o risco de desenvolverem um pensamento incapaz de estrutura lógica. Sim, a linguagem reflecte uma construção conceptual e lógica - fazem-se pensamentos e raciocina-se com palavras, com conceitos. Se não sabemos usar as palavras ou se simplificámos excessivamente a língua tiramos-lhes a capacidade de lidar com problemas complexos e de pensar com rigor.
O rigor não cai do céu como a chuva, é desenvolvido através do trabalho e, desde logo, do trabalho sobre a linguagem. Dizer que as pessoas são sempre atraídas pelo simples é uma frase infundada. Quando só damos às pessoas coisas simples elas depois não sabem sequer compreender o complexo, mesmo quando o querem muito. Nós professores todos os dias vemos isso nas aulas com este ensino que há anos advoga que tudo que é sério é enfadonho e que o ensino deve reduzir-se ao simples, ao giro e ao divertido.
E o que é isso de a realidade ser a matéria-prima da língua? Que realidade? A sua realidade subjectiva? É que há muitas realidades. Uma delas é a realidade da Língua.
E desde quando só a língua falada é que interessa? É bom educarmos os miúdos para ficarem todos presos à subjetividade e incoerência da língua falada? Se calhar nós professores devíamos falar assim nas aulas para ser tudo mais giro e menos enfadonho?
Porque, então, escreve artigos? Porque não faz podcasts e aproveita para falar assim dessa maneira anglófila?
Para quebrar regras é preciso primeiro saber usá-las. Não por acaso a Rússia, de cada vez que invade um país, ou proíbe o uso da língua local ou russifica-a, coloniza-a, de maneira que as crianças aprendam, não a sua identidade como povo, mas a deles.
(...) já em 2019, o então deputado do PSD José Carlos Barros, enquanto relator do Grupo de Trabalho – Avaliação do Impacto da Aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, no Parlamento, chamava a atenção para a necessidade de “assumir que o acordo ortográfico [de 1990] correu mal”. Na entrevista que então deu ao PÚBLICO, sublinhava ainda que devia haver coragem política para assumir esses erros e que não deveria haver “tabus em democracia”.
Manuel Monteiro tem uma posição mais extremada. “Se há uma instabilidade lexicográfica, é evidente que alguma coisa não correu bem”, salienta. “Ninguém parece saber exactamente como é que se escrevem determinadas palavras”, salienta. Dito isto, para este revisor linguístico, “o acordo não é reformável, porque erigir ortografia com base na pronúncia nunca vai correr bem. Só é revogável.”
Muitas editoras e livros de estilo estabelecem-na como uma excepção quando adoptam o AO90. “Porque não voltar a olhar para a questão e repor o acento se ele faz assim tanta falta?”, propõe Ana Salgado. E termina: “É necessário voltar a olhar para casos como este.”
Público
No fim artigo do post anterior, podemos ler: O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor
Li esta frase e perguntei-me, 'O que quer isto dizer? O autor inventou uma terceira via de escrita em que escolhe o que adopta do acordo e o que nega? Uma espécie de português 'à la carte'? Mas depois, pensando melhor, eu que não digo esta frase, nem faço tenção de ter uma escrita que não é carne nem peixe, também acabo por fazer isto de escrever uma mistura de ortografias, embora sem querer, quer dizer, escrevo com a ortografia pré-acordo, mas há palavras que, nesta confusão, escrevo com as novas regras, como por exemplo, muitas palavras que tinham hífen e agora não tê e que às vezes já confundo.
Foi nisto que deu este acordo, defendido como, 'cada um escrever como fala': agora, cada um define como quer a língua portuguesa.
No Manual de Filosofia que adoptaram na minha escola, vem escrito, "conetiva" em vez de "conectiva".