Entrevista a Carla Salsinha, Presidente da União de Associações de Comércio e Serviços (UACS), por Daniela Soares Ferreira, no sol.sapo.pt/
Acredito que Lisboa mudou para melhor. Temos grandes desafios, mas, seguramente, Lisboa hoje é uma cidade que é referência a nível mundial, não só no turismo, como no comércio, é uma das cidades que mais atrai investimento e investidores e, de facto, mudou para melhor. Há muito que tem de ser feito, há muito que tem de ser avaliado, até fruto desta pressão que Lisboa está a ter, mas hoje Lisboa é, além da capital, a imagem de marca de Portugal e, portanto, é um enorme orgulho.
O crescimento do turismo tem, de facto, um impacto direto no comércio da cidade. É indiscutível que o turismo permite que, em situações de maior dificuldade, o comércio consiga alavancar financeiramente, porque estamos a falar de um setor que cada vez mais deixa de ser sazonal, é ao longo de todo o ano, e onde podemos, através da existência de um comércio muito específico e identitário, fazer com que o turismo seja uma alavanca financeira para o setor do comércio da cidade.
Podemos falar em excesso de turismo?
Não, não há excesso de turismo. O que existe na cidade de Lisboa é a concentração do turismo praticamente em apenas quatro freguesias das 24. O que há é, seguramente, uma falta de gestão – quer dos fluxos turísticos, quer dos fluxos de pessoas – e há que fazer essa integração. É preciso juntar as diversas entidades do turismo públicas e privadas com a Câmara Municipal e as autoridades, e tentar fazer uma gestão de fluxos e do turismo na cidade. Não estamos a perder a identidade desde que a Câmara Municipal perceba que temos de preservar, acima de tudo, o comércio da cidade. O comércio tradicional que nos diferencia não se resume às Lojas com História. Temos que preservar e cuidar dessas lojas, sim, mas também garantir que em cada bairro da nossa cidade exista o comércio de proximidade, o comércio tradicional. Caso contrário, passamos a ter uma cidade apenas com cabeleireiros, barbearias, frutarias e kebabs. Tem que haver uma gestão estratégica do comércio em Lisboa.
Lisboa tem perdido identidade?
Sim, neste momento corremos um sério risco de descaracterização do comércio da cidade. Não há uma política nem uma visão estratégica para o setor, o que implica que, olhando para a zona central de Lisboa, como a Baixa, vemos uma multiplicação de lojas de souvenirs e de restauração, com o desaparecimento de muito outro comércio – de roupa, calçado, acessórios – e a proliferação de comércio igual. Em algumas artérias, quase mais de 50% das lojas estão fechadas ou são de souvenirs. Há, portanto, esse perigo de descaracterização, daí a urgência de termos uma visão estratégica e uma política de urbanismo comercial para Lisboa.
Além do crescimento de turistas, os imigrantes também têm crescido em Lisboa. Isso pode ser visto como um problema ou como uma oportunidade?
O crescimento da imigração tem as duas faces. Se for uma imigração descontrolada, desregulada e sem acompanhamento do Estado, é óbvio que é um problema e é mau, porque estamos a falar – e temos que ter plena consciência disso – de problemas de tráfico humano, que ultrapassam associações e Câmara Municipal, e dizem respeito à Polícia, à PSP e à AIMA. Mas é, obviamente, também uma oportunidade. O Comércio e Serviços é um setor com enorme escassez de mão-de-obra e, de facto, quem imigra à procura de uma vida melhor procura, normalmente, nestes setores o seu emprego. Portanto, é uma grande oportunidade, desde que saibamos todos – Câmara, associações, Estado – fazer esta coordenação e gestão do fluxo de entrada de imigrantes na cidade de Lisboa e no país.
Em relação às lojas com história, muitas têm fechado. O que seria preciso fazer para que essa tendência se invertesse?
No que respeita às Lojas com História, muitas têm fechado. Algumas têm um fim anunciado porque quem as gere ou detém não tem sucessores. Muitas vezes, por idade ou falta de continuidade, acabam por fechar. Outras fecham devido ao arrendamento. Já avançámos com uma proposta à Câmara Municipal: seguir o exemplo de outras capitais europeias, em que a Câmara adquire as lojas e depois as arrenda a preços exequíveis e sustentáveis, preservando esses espaços. Essa responsabilidade é inteiramente da Câmara que pode e deve fazê-lo.
O valor elevado das rendas dos estabelecimentos também tem afetado o comércio?
Claro que sim, o elevado valor das rendas atualmente praticadas em Lisboa é um forte entrave à manutenção do comércio. Temos rendas no centro da cidade, na Baixa, entre 10 e 20 mil euros. É muito normal encontrar lojas com 10 ou 12 mil euros de renda. Basta fazer as contas: 10 mil euros de renda vezes 12 meses – o que é preciso faturar apenas para pagar a renda? Há aqui, de facto, especulação, e isso tem sido um problema que tem levado ao desaparecimento de muito comércio de proximidade e ao surgimento de negócios cujo objetivo principal não é o comércio.
Quais são as principais preocupações estruturais do comércio e dos serviços em Lisboa e como podem ser resolvidas?
Diria que a nossa grande preocupação, o nosso grande dilema, é a visão estratégica – termos uma visão para o setor de Comércio e Serviços da cidade, que hoje não existe. Não precisamos só de urbanismo comercial, mas, acima de tudo, de uma visão para o comércio. Lisboa é uma das cidades da Europa com características muito específicas: temos vários pontos de comércio distintos – a Baixa, o centro da cidade, Campo de Ourique, Alvalade, Areeiro, Avenida da Igreja, Benfica, Parque das Nações – que funcionam como pequenas cidades dentro da cidade, com características de trabalho, deslocação e comércio completamente diferentes. É preciso ter uma visão estratégica para cada uma dessas realidades, e isso não existe. O grande desafio é que o próximo executivo da Câmara Municipal de Lisboa, seja ele qual for, em conjunto com as forças vivas da cidade, defina uma estratégia e uma visão para o setor do comércio e serviços e passe a implementar uma política de urbanismo comercial, que hoje não existe.
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