É sabido que até 1993, as pesquisas clínicas de novos medicamentos não contavam com a participação de mulheres. Alguns faziam alguns testes por conta defeitos possíveis na gravidez, mas não muitos. Ficou tristemente célebre o caso das grávidas a quem os médicos receitavam talidomida para os enjoos e que acabaram por ter bebés sem braços e sem pernas ou com esses membros muito atrofiados. Ninguém se tinha dado ao trabalho de incluir mulheres nos testes para saber dos efeitos do medicamento na gravidez. Só recentemente é obrigatório incluir as mulheres nos testes.Até 1993 eram feitos para o organismo dos homens e ninguém queria saber em como os medicamentos afectavam as mulheres, seja nos seus ingredientes como nas dosagens.
A medicina, por ter sido praticada exclusivamente por homens para homens, durante tanto tempo, ainda hoje desvaloriza a saúde das mulheres. Veja-se como desenvolveram o viagra em 1998, preocupados com o sintomas e consequências do declínio do seu corpo, mas ainda hoje os médicos dizem às mulheres que certos sintomas e consequências do declínio do seu corpo devem ser aceites com estoicismo. Imensas queixas de mulheres, que depois se descobre que eram doenças, são recebidas com cepticismo devido às mulheres serem 'histéricas' e 'exageradas', quando é do conhecimento comum que as mulheres aguentam doses de sofrimento físico muito grandes.
Enfim, vem isto a propósito de uma rapariga nova, perto dos 30 anos, que conheço, ter começado a sentir-se mal e frequentemente com falta de ar e ter ido a vários médicos e todos lhe dizerem que não era nada, que era da sua cabeça e tal. Um fez-lhe uma TAC, disse que não tinha nada, mesmo sabendo que uma TAC não tem a mesma precisão que uma ressonância magnética. Enfim, a certa altura, como não lhe passavam os sintomas foi a um médico de medicina interna que a mandou fazer uma ressonância. Ligaram-lhe nesse Domingo a dizer para ir com a máxima urgência ao hospital porque estava com uma embolia pulmonar...
Este assunto também serve para perceber que a ideia dos trans serem mulheres biológicas por escolha, desafia a medicina. As mulheres têm um organismo diferente dos homens, o sexo é diferente e vem acompanhado de cromossomas, hormonas, anatomia e genética adequados a essa diferença. Um homem biológico até pode ir ao ponto de tirar o pénis e construir uma falsa vagina e tomar hormonas em doses correspondentes às das mulheres, mas isso não leva a que lhe apareça um útero, ovários e todo um organismo feminino, que é diferente, desde o coração à estrutura óssea, como mostra a história da medicina que fazia testes médicos apenas a homens e prejudicava a saúde das mulheres.
Se um dia entrar num consultório e o médico me disser que não sabe se sou biologicamente uma mulher e que acredita que ser mulher é apenas um sentimento, saio de lá a correr e nunca mais lá volto. Um trans é alguém que nasceu num certo corpo biológico mas que psicologicamente não se sente bem nesse corpo - mas isso não lhe modifica magicamente o corpo biológico e os cromossomas.
Quando Simone de Beauvoir disse, "não se nasce mulher, torna-se mulher", quis dizer que os comportamentos que a sociedade atribui como normais às mulheres -ser sorridente, maternal, anular-se face aos homens, gostar de se embonecar, etc.- não vêm inscritos nos cromossomas, mas antes são fruto da socialização/enculturação. Não quis dizer que nascemos indiferenciados quanto ao sexo biológico.
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