August 02, 2025

A sociedade não está, nem deve estar, capturada por famílias



Mais um artigo de propaganda ideológica disfarçada de preocupação. O articulista começa logo com uma falsa dicotomia: ou a família tem uma voz ativa, estruturante e vinculativa no processo educativo ou a escola é um laboratório ideológico. E o resto do artigo é todo sofista. Muito slogan e frase fácil, pouco pensamento nos fundamentos da educação escolar numa democracia representativa.

Farta-se de falar nas famílias terem o direito de ir à escola interferir na aprendizagem dos alunos, censurar, vetar - não usa estes termos mas é o que apresenta como virtude democrática. 

E fala sempre nas famílias, como se o país fosse uma democracia directa de famílias. Só que não é. Quem vota são os cidadãos individuais e não as famílias. 

Na realidade há mais de um milhão de famílias com filhos na escola pública e, evidentemente, não é possível que essas famílias, constituídas por pessoas que não são especialistas em educação escolar -para não referir que a maioria é muito ignorante das fundações científicas, em todos os assuntos- possam interferir individualmente na educação escolar. 

E é evidente que ele valoriza certo tipo de famílias, pois acusa as outras de ideologia, como se a sua facção fosse neutra. Só o termo, 'famílias', em vez de 'pais e EE', já evidencia uma opção ideológica de cariz religioso.

Portugal é uma democracia representativa e todos os sectores da sociedade têm representantes que têm voz activa na definição de políticas. É aí, junto dos representantes dos pais e EE (não das famílias) que as famílias têm voz. Umas vez definidas as políticas, que neste caso são os currículos e os seus conteúdos, não têm que interferir no trabalho dos professores. 

A escola pública não existe para agradar às famiglias cristãs, ou islamitas ou judaicas, ou evangelistas ou ateias. Essa ideia é absurda e perigosa pois induz a fractura social, dado que, para agradar a umas famílias, necessarientne ofendemos outras. A educação não é um menu à la carte.

Da mesma maneira que as famílias não vão às aulas de conduções dar a sua opinião sobre os sinais de transito serem iguais para todos e não levarem em conta que esta família é da Opus Dei e que a outra é maçónica e os maçónicos acharem mal os sinais a vermelho, por exemplo. Ou pedirem para-o seu filho não aprender o sinal de proibição porque são a favor da nova pedagogia afirmativa.

Os professores não trabalham para as famiglias e para lobbies de famiglias. Trabalham para o Estado, o que quer dizer que realizamos processos educativos, independentemente da ideologia dos pais dos alunos -e da nossa- seguindo a legislação e os currículos aprovados legalmente por especialistas nas matérias e depois de ouvido os representantes que têm de ser ouvidos. 

Os pais e EE é que devem colaborar com as escolas e os professores para o sucesso escolar dos seus filhos, não o oposto. As escolas não existem para apoiar pais, nem para satisfazer um milhão de caprichos, gostos, crenças ideológicas e idiossincrasias pessoais.

Depois o resto do artigo é a louvar a apoteose da primazia da educação financeira e empreendorista como base da liberdade. A base da liberdade efectiva numa democracia, é a igualdade de oportunidades, não o conhecimento sobre economia. Saber regras de economia para ser independente economicamente e viver numa sociedade onde há igualdade de oportunidades para se poder ter acesso a uma vida economicamente independente são coisas diferentes e a segunda é o fundamento da primeira. 

Se existe uma educação pública de 1ª, de 2ª e de 3ª, a diferença nas oportunidades são tão determinantes que talvez um em cada cem mil alunos consiga vencer a adversidade. De maneira que essa ideia da literacia financeira ser mais importante que tudo o resto é uma opção ideológica de uma certa direita elitista que gosta de acreditar que o seu sucesso se deve a meritocracia e que só não tem sucesso quem não quer trabalhar com afinco ou não sabe de economia.

Educar sem a Família é usurpar



Miguel Bento Alves

A família deve ter uma voz ativa, estruturante e vinculativa no processo educativo. A escola não pode ser um laboratório ideológico.

A recente reformulação da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, proposta pelo Governo português, reacendeu um debate central sobre o papel do Estado, da escola e da família na formação dos jovens. Ao reduzir a centralidade de temas como a sexualidade e a identidade de género, e ao reforçar a presença da literacia financeira e do empreendedorismo, Governo afirmou estar a libertar o currículo das “amarras ideológicas”. Mas o que está realmente em causa vai muito além da simples reorganização de conteúdos: trata-se da definição do próprio projeto educativo da sociedade portuguesa.

É necessário reiterar com clareza que esta reforma tem méritos. A literacia financeira é absolutamente crucial para a emancipação real dos indivíduos. Vivemos num tempo em que a ignorância financiera aprisiona os cidadãos em ciclos de endividamento, dependência e fragilidade económica. A liberdade, conceito tão abusado quanto esvaziado nas discussões atuais contemporâneas exige, para ser plena, autonomia económica. Um cidadão que não sabe gerir o seu rendimento, que não compreende a fiscalidade ou que é incapaz de tomar decisões financeiras prudentes, é um cidadão vulnerável, mesmo que conheça de cor os tratados internacionais sobre direitos humanos.

Por isto mesmo, saúdo o Governo na valorização destes conteúdos pois, representam uma vitória da responsabilidade individual, da meritocracia e da capacitação prática sobre uma educação puramente teórica ou simbólica. No entanto, esta reestruturação também levanta questões importantes que não podem ser ignoradas: quem decide o que é ensinado às crianças e jovens portugueses, sobretudo quando se trata de temas sensíveis como a sexualidade, os afetos ou a identidade pessoal?

É neste ponto que a minha posição se torna clara, frontal e intransigente: a família deve ter uma voz ativa, estruturante e vinculativa no processo educativo. A escola não pode ser um laboratório ideológico onde elites burocráticas decidem o que é “apropriado” ensinar, à margem dos valores e da vontade das famílias. Defender a centralidade da família na educação não é um ato de conservadorismo reacionário — é uma exigência democrática. Quem mais está legitimado para educar do que os pais? Quem melhor conhece os seus filhos, os seus ritmos, as suas necessidades e as suas convicções morais?

O que tem sucedido em Portugal e noutros países europeus é preocupante: o Estado, sob o pretexto de promover uma educação neutra, tem vindo a substituir-se à família na transmissão de valores, muitas vezes impondo visões que não são consensuais, especialmente no que toca à sexualidade, identidade de género e outras dimensões íntimas da formação pessoal. Isto não é neutralidade — é doutrinação suave, com selo institucional.

Não defendo a eliminação dos temas de sexualidade do espaço educativo. A saúde sexual, a prevenção da violência de género e a promoção do respeito mútuo são componentes importantes de uma educação moderna e responsável. O que defendo é que essts conteúdos sejam construídos com base em diálogo aberto, com transparência, e com a inclusão efetiva das famílias no processo de decisão curricular. O Estado não pode agir como um pai substituto — deve agir como parceiro.

Há jovens que crescem em ambientes familiares desestruturados? Sim. Há pais que negligenciam a educação dos filhos? Infelizmente, sim. Mas estes casos não justificam a exclusão generalizada da família como agente educativo. Justificam antes um reforço do apoio às famílias, não a sua substituição silenciosa por técnicos, formuladores e ideólogos que, apesar das boas intenções, não respondem perante a comunidade.

Esta é, portanto, a posição que defendo: uma educação que conjuga a literacia financeira como pilar de liberdade e autonomia pessoal, a presença sensível mas responsável da educação sexual, e o reconhecimento irrenunciável do papel da família como primeira educadora.

A grande questão que este debate convoca é esta: qual é a finalidade da educação pública? Formar indivíduos livres e responsáveis ou moldar consciências para um ideal político ou cultural específico? Se a resposta for a primeira, então a literacia financeira é indispensável. Se for a segunda, então o que temos não é ensino — é reeducação.

O que me inquieta — e deve inquietar todos os que valorizam a liberdade e a responsabilidade — é que a educação está a tornar-se um terreno fértil para projetos de engenharia social camuflados. A exclusão abrupta dos temas sexuais, sem uma alternativa clara e sem debate amplo, não resolve o problema: apenas desloca o conflito.

A solução está, portanto, num equilíbrio firme e exigente: nem a imposição acrítica de agendas ideológicas por parte do Estado, nem a abdicação da escola do seu papel formativo perante os desafios contemporâneos. A educação pública deve ser um espaço onde se ensina a pensar, e não onde se determina o que pensar. Por isso, urge criar mecanismos institucionais para que as famílias possam participar ativamente na definição curricular, não apenas como figurantes em processos formais de consulta, mas como verdadeiros cocriadores do modelo educativo nacional. Só assim poderemos construir uma escola verdadeiramente plural, exigente, livre e coesa — onde se ensinem competências úteis para a vida, protejam-se os valores fundamentais da sociedade e se respeite, acima de tudo, o direito dos pais a educar os seus filhos segundo as suas convicções.

A cidadania não se ensina apenas com cartilhas ou planos curriculares. Aprende-se no quotidiano, nos exemplos, na forma como respeitamos a autoridade dos pais, o valor do trabalho, a honestidade, a verdade e a dignidade do outro. Não é na sala de aula que se forjam os princípios — é em casa. A escola deve ser um prolongamento desse processo, não um substituto.

Defender a literacia financeira é apostar no futuro. Defender o papel da família é proteger as raízes. Sem raízes, não há estabilidade. E sem estabilidade, não há liberdade duradoura.

Educar sem a família é usurpar. E nós, enquanto sociedade livre, não podemos aceitar esta usurpação.


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