July 08, 2025

As universidades tornaram-se meros modelos de negócio - dantes eram centros de investigação e aprendizagem


A IA favorece a manutenção do lucro do negócio, mas o custo é a machadada final na qualidade da educação. Porém, aqui no rectângulo, ministros e seus sopradores de ouvido -gente influenciada pelos da área da gestão e dos negócios- só falam em digitalização e uso da IA. 

Pessoalmente penso que já passámos o Rubicão na questão da decadência da educação e já o disse várias vezes. Há já algum tempo que estamos a rolar pela encosta abaixo a aproximarmos-nos do precipício e este vem com a IA a substituir a aprendizagem e o desenvolvimento psíquico e intelectual dos estudantes.

O ensino e a aprendizagem estão a esvaziar-se e qualquer dia são o conjunto vazio. No dia em que os estudantes puserem a IA a resolver todas as suas tarefas, desde a compreensão à execução, tornando-se posteriormente trabalhadores com esse hábito de por a IA a pensar e trabalhar por si, tornam-se completamente dispensáveis enquanto trabalhadores e, em grande parte, enquanto cidadãos. 

E, na sequência desse evento, a própria IA entra em decadência, como um animal que é cronicamente, deficientemente alimentado por pessoas que perderam a capacidade da complexidade, da criatividade, da divergência. 

A IA é um Modelo de Linguagem, não é um modelo de Inteligência.

Aqui há tempos, um aluno apareceu nas aulas com um poema e mostrou aos professores. Vários de nós percebemos imediatamente que tinha sido feito num modelo de linguagem  IA: não só o tipo de linguagem era correcta, com termos sofisticados, mas desvitalizada como aquelas pinturas dos meninos com uma lágrima a cair, como não batia certo com a linguagem do aluno, que conhecemos da sua escrita nas aulas.

Francamente, não entendo como não se entende o perigo de apoiarmos a educação na IA e deixá-la pensar, decidir e fazer por nós.


A crise da IA nas universidades e o que ela esconde

Tiago Mata

Novos edifícios com salas de aulas bem equipadas, cafés e pizzarias, áreas de estudo ladeadas por expositores com arte e espólio museológico, tanto vidro e tanta gente. Para quem as visita, as universidades inglesas exibem prosperidade.

E, contudo, nem tudo está bem no reino... Sou o inquisidor-mor na minha unidade académica e, desde Janeiro, fiz mais de trinta provas orais com alunos para investigar alegados plágios e infrações de conduta. Dois terços destes alunos receberam penalizações. 

Este número de denúncias é consistente com anos anteriores, mas a natureza dos casos mudou. Se, no passado recente, a maioria dos casos envolvia cópia sem atribuição de fontes virtuais, a maioria das suspeitas recentes são de uso de inteligência artificial (IA). 

(...) A difusão exponencial da IA está a minar a nossa capacidade de atribuir autoria e aferir autenticidade.

Para dar um exemplo, sem o publicitar, a revista Nature usa IA para resumir os artigos que publica. Ainda que a IA não seja tão boa como se anuncia, é preciso uma segunda ou terceira leituras para o perceber, e quem tem tempo para isso?

Entretanto, somos inundados com textos banais, compostos com precisão matemática, mas esvaziados de curiosidade, detalhe e identidade (e, só para aliviar a monotonia, com uma ou outra alucinação).

Há muito para dizer sobre a forma negligente como a IA está a ser difundida. Seguindo o modelo de uma corrida para a hegemonia tecnológica, ninguém se atreve a pedir uma pausa para fazer contas dos seus impactos sobre a cultura, a saúde mental ou o desenvolvimento cognitivo de pessoas e instituições. 

As universidades inglesas estavam à beira de um precipício financeiro, expostas a um mercado europeu de estudantes que o "Brexit" subitamente fechou, quando a covid-19 as salvou. No contexto excecional da pandemia, com aulas remotas e sem restrições ao número de alunos admitidos, as universidades inglesas viraram-se para a Ásia, acolhendo alunos da Índia e, sobretudo, da China. 

Este mercado global é um mercado por certificação, não é um mercado por educação. O que estes estudantes compram é um grau de uma universidade de topo, às vezes pouco importando qual a disciplina e qual a nota de curso.

(...) o objetivo de todos é usar o canudo para alavancar uma carreira no país de origem (...) é somente e simplesmente o reflexo de uma atitude utilitária em relação ao ensino.

A culpa nem é deles, não foram eles que criaram este modelo de universidade. Se há responsáveis, serão os líderes das universidades que acarinham estes alunos como consumidores dos seus múltiplos serviços – educação, mas também alojamento, restauração e entretenimento –​ e lhes prometem uma "experiência" educativa. 

Nas entrelinhas, não se lê que é preciso trabalhar para receber a dita experiência, nem se refere a possibilidade de que podem não se graduar.

As universidades inglesas continuam a ser instituições públicas, continuam a receber fundos e benesses do Estado britânico, mas a sua estratégia institucional e a sua cultura mudaram para as alinhar com uma competição global por propinas. 
Propinas estas pagas com o endividamento de alunos e famílias. 

As consequências são claras para todos. O ensino torna-se uma mera etapa ou até obstáculo num percurso profissional. E o risco assumido pelas universidades neste modelo de negócio é enorme –​ se o fluxo anual de estudantes é perturbado, a crise é existencial. Por isso, o mais sensato é deixar a IA passar e sorrir de dentes cerrados, porque não há plano B.

Público

No comments:

Post a Comment