A IA favorece a manutenção do lucro do negócio, mas o custo é a machadada final na qualidade da educação. Porém, aqui no rectângulo, ministros e seus sopradores de ouvido -gente influenciada pelos da área da gestão e dos negócios- só falam em digitalização e uso da IA.
Pessoalmente penso que já passámos o Rubicão na questão da decadência da educação e já o disse várias vezes. Há já algum tempo que estamos a rolar pela encosta abaixo a aproximarmos-nos do precipício e este vem com a IA a substituir a aprendizagem e o desenvolvimento psíquico e intelectual dos estudantes.
O ensino e a aprendizagem estão a esvaziar-se e qualquer dia são o conjunto vazio. No dia em que os estudantes puserem a IA a resolver todas as suas tarefas, desde a compreensão à execução, tornando-se posteriormente trabalhadores com esse hábito de por a IA a pensar e trabalhar por si, tornam-se completamente dispensáveis enquanto trabalhadores e, em grande parte, enquanto cidadãos.
E, na sequência desse evento, a própria IA entra em decadência, como um animal que é cronicamente, deficientemente alimentado por pessoas que perderam a capacidade da complexidade, da criatividade, da divergência.
A IA é um Modelo de Linguagem, não é um modelo de Inteligência.
Aqui há tempos, um aluno apareceu nas aulas com um poema e mostrou aos professores. Vários de nós percebemos imediatamente que tinha sido feito num modelo de linguagem IA: não só o tipo de linguagem era correcta, com termos sofisticados, mas desvitalizada como aquelas pinturas dos meninos com uma lágrima a cair, como não batia certo com a linguagem do aluno, que conhecemos da sua escrita nas aulas.
Francamente, não entendo como não se entende o perigo de apoiarmos a educação na IA e deixá-la pensar, decidir e fazer por nós.
Para dar um exemplo, sem o publicitar, a revista Nature usa IA para resumir os artigos que publica. Ainda que a IA não seja tão boa como se anuncia, é preciso uma segunda ou terceira leituras para o perceber, e quem tem tempo para isso?
Entretanto, somos inundados com textos banais, compostos com precisão matemática, mas esvaziados de curiosidade, detalhe e identidade (e, só para aliviar a monotonia, com uma ou outra alucinação).
Há muito para dizer sobre a forma negligente como a IA está a ser difundida. Seguindo o modelo de uma corrida para a hegemonia tecnológica, ninguém se atreve a pedir uma pausa para fazer contas dos seus impactos sobre a cultura, a saúde mental ou o desenvolvimento cognitivo de pessoas e instituições.
As universidades inglesas estavam à beira de um precipício financeiro, expostas a um mercado europeu de estudantes que o "Brexit" subitamente fechou, quando a covid-19 as salvou. No contexto excecional da pandemia, com aulas remotas e sem restrições ao número de alunos admitidos, as universidades inglesas viraram-se para a Ásia, acolhendo alunos da Índia e, sobretudo, da China.
(...) o objetivo de todos é usar o canudo para alavancar uma carreira no país de origem (...) é somente e simplesmente o reflexo de uma atitude utilitária em relação ao ensino.
As universidades inglesas continuam a ser instituições públicas, continuam a receber fundos e benesses do Estado britânico, mas a sua estratégia institucional e a sua cultura mudaram para as alinhar com uma competição global por propinas. Propinas estas pagas com o endividamento de alunos e famílias.
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