May 12, 2025

É o dinheiro, estúpido!

 


Dando por adquirido que a insatisfação existe, e que quase toda a gente acha que deveria receber mais pelo que faz, agora vem a segunda parte da pergunta: se o descontentamento é geral, porque é que há tantas greves nas escolas públicas e tão poucas nas escolas privadas? Porque é que os comboios da CP estão sempre a parar e os comboios da Fertagus estão sempre a circular? Porque é que os mesmos médicos e enfermeiros que fazem greve no Hospital de Santa Maria não fazem greve no Hospital dos Lusíadas ou da Luz?

Há duas respostas possíveis a estas perguntas. Uma é dizer que o sector privado oferece melhores condições de trabalho do que o sector público, porque é mais bem gerido – logo, os seus trabalhadores estão mais satisfeitos. Se assim for, então convém ser consequente, e levar a sério a privatização da CP, o regresso dos contratos de associação às escolas ou as PPP na saúde.



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Veja-se como funciona a ideologia. JMT pergunta porque não há greves nos privados e adianta a sua resposta (hipótese), haver melhor condições no privado; en passant, encaixa na mesma frase o seu dogma ideológico -a causa das melhores condições é a gestão no privado ser melhor- como se fosse óbvio e a partir daí constrói o seu argumento sobre aquela afirmação insustentada que assumiu como verdade, para concluir que deve-se privatizar tudo e mais alguma coisa.

Não conheço o caso da saúde ou dos transportes por dentro e em pormenor, mas conheço o caso da educação. A educação privada não tem melhores condições por ter melhor gestão que a pública. O que tem é muitíssimo dinheiro, enquanto a escola pública é alvo de desinvestimento há décadas. 

Melhores condições na escola significam: turmas pequenas com 20 alunos; professores com duas ou três turmas no máximo; professores com computadores e outro equipamento específico das disciplinas; escolas sempre em boas condições de habitabilidade; alunos com pais com educação académica superior que compreendem os desafios; com capacidade económica de alocar meios para eventuais problemas; condições de apoio escolar na própria escola; actividades extra-curriculares; boa alimentação em casa; bom acompanhamento médico; condições para que cada elemento da família tenha mais do que um par de sapatos; casas com condições de higiene; com condições para cada um ter o seu espaço privado; condições para cada membro da família ter o seu computador; pais colaborantes que aceitam os princípios da escola onde põem os filhos; pais com um nível de linguagem complexo e rico em vocabulário; pais que levam os filhos a viajar, abrir-lhes os horizontes, etc.

Más condições na escola significam: sete turmas por professor, cada turma com trinta alunos; alunos com problemas especiais incluídos em turmas normais sem nenhum apoio especializado (alunos autistas, amblíopes, etc.); interferência do ME para melhoria de estatísticas (obrigar a passar alunos que faltaram centena de vezes ou que nunca tiveram uma avaliação positiva); apoios ao estudo (explicações) em cima do horário escolar sobrecarregado; escolas sem dinheiro para actividades extra-curriculares; sem dinheiro para aquecimento ou para ar condicionado, portanto, aulas em condições extremas de calor e/ou frio; escolas com infiltrações, material degradado, casas de banho nojentas; pais com educação académica ao nível do básico ou da frequência de algum ano do secundário; alunos provenientes de casas sem qualquer espaço privado próprio, sem computador (ou um para toda a família), com apenas um par de sapatos que usam para a educação física e para o dia-a-dia, faça sol ou chuva; alunos que nunca saíram da sua cidade ou que foram só até à cidade mais próxima; pais que nunca leram um livro ou fomentaram a leitura nos filhos; alunos imigrantes pobres, de cinco, dez, vinte ou mais nacionalidades diferentes, sem tradutor linguístico ou social, integrados à balda em turmas normais; alunos cuja única refeição completa do dia é a da escola. Etc.

Portanto, é o dinheiro estúpido!

3 comments:

  1. O JMT é um parvo. Tem padrões éticos muito elevados para umas coisas, segundo está sempre a dizer, e para outras não tem nenhuns. É daqueles que culpa os pobres por serem pobres. #Nena

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  2. Há gente que vive ou parece viver em bolhas privilegiadas e não sabe nada - ou sabe pouco - da realidade nas escolas públicas.
    Mas também há médicos e professores e outros funcionários que fazem greve no público e vão trabalhar no privado. Suponho que seja também pelo dinheiro, já que, se no privado a fizerem, no ano seguinte não serão contratados.

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    1. É verdade. Conheço professores que trabalham no público e no privado porque o salário é parco e um salário apenas não chega para sustentar a família. Os professores no privado têm condições de trabalho muito boas mas andam a toque de caixa. Não têm direito a queixar-se ou a reclamar seja do que for. É este sistema em que os trabalhadores ganham mal, mas devem amochar caladinhos que JMT defende: pobrezinhos mas felizes... onde é que já ouvi isto?

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