April 18, 2025

Notícias que nos envergonham - abandonam-se as raparigas e as mulheres à sua sorte

 


Portugal põe tantos obstáculos às mulheres nos seus direitos legais que têm de passar a fronteira para lhes terem acesso. As que têm dinheiro. A lei e os profissionais de saúde são coniventes na sonegação dos direitos das mulheres.


Em cinco anos, quase 3 mil mulheres foram de Portugal a Espanha para abortar: “em cada porta que se bate, há uma porta que se fecha”


Expresso

Dados oficiais do Ministério da Saúde espanhol revelam que em 2023 houve 668 mulheres que passaram a fronteira para fazer uma IVG. Os números baixaram durante os dois anos da pandemia, mas já estão acima dos casos pré-covid.


Quando Rute (nome fictício) descobriu que tinha engravidado sem querer, a relação em que estava, de dois anos, tinha terminado há poucas semanas. Uma grande dúvida instalou-se sobre os seus ombros. Por um lado, o peso dos 40 anos e o desejo de ter um filho. Por outro, a certeza de que “não queria ser mãe solteira”. Não foi fácil tomar a decisão de interromper a gravidez, conta ao Expresso. E no processo só obstáculos. A viver em Lagos, percebeu pela internet que poderia agendar uma consulta no Hospital de Portimão ou no de Faro, ambos pertencentes à Unidade Local de Saú­de (ULS) do Algarve. Mas ao ligar para Portimão, mais perto de casa, foi-lhe dito que, primeiro, teria de ir ao médico de família e só depois se poderia dirigir ao serviço hospitalar. Era julho de 2024 e a médica de família estava de férias, sem ninguém a substituí-la.

Apesar de a ULS, em resposta ao Expresso, ter afirmado que, na ausência do médico de família, “existe atendimento por parte de outro médico ou enfermeiro, os quais dão seguimento às várias situações clínicas”, Rute não teve seguimento. Tentou dirigir-se a um outro centro de saúde, mas não foi atendida por não pertencer aí. Ainda ligou a uma amiga que trabalha no Serviço de Urgência do Hospital de Portimão, explicando a situação e pedindo-lhe ajuda. “Mas também aí a porta se fechou. Ela de repente não respondeu mais”, testemunha ao Expresso. “Percebi que talvez não fosse a favor da minha decisão e não insisti.” A próxima paragem foi Espanha. Rute sabia de algarvias que se dirigiam a Sevilha para fazer um aborto. Mandou uma mensagem a uma clínica num dia à noite, no dia seguinte tinha uma resposta. E em poucas horas o procedimento foi agendado para daí a duas semanas, quando completava seis semanas de gravidez. Ou seja, muito antes de o prazo para o fazer em Portugal terminar.

Dirigiu-se a Sevilha numa segunda-feira. Três horas de viagem, na companhia dos pais. “Foi tudo muito rápido.” Uma ecografia, uma anestesia, um rápido acordar e um pagamento de €600, para daí a três horas estar de novo em Lagos e no dia seguinte ir trabalhar. Do processo recorda a pergunta do psicólogo com quem teve de falar na clínica, antes de avançar. “Perguntou-me o que é que se passava em Portugal para estarmos a recorrer a Espanha, porque na semana anterior também tinha consultado uma portuguesa. Eu falei-lhe da dificuldade que é conseguirmos avançar. Em cada porta que se bate, há uma outra porta que se fecha.”
(...)
O trajeto de mulheres que vão de Portugal a Espanha para abortar é o segundo mais frequente na Europa

Os casos mais comuns foram os de gravidezes com 13 e 14 semanas, as últimas em que a IVG está disponível em Espanha sem necessidade de justificação médica. Há um mês a separar o limite legal português do espanhol. E um pagamento também, que traz desigualdades. “A ida a Espanha tem custos e o aborto também, pelo que será acessível apenas a mulheres que podem suportá-los”, explica Teresa Bombas, obstetra e presidente da Sociedade Europeia de Contraceção e Saú­de Reprodutiva. Os preços para realizar uma IVG em Espanha, a título privado, variam entre €300 e €400 para um aborto medicamentoso e dois mil euros para um aborto cirúrgico realizado em estádio avançado de gravidez.



Exporting Abortion é uma investigação internacional de jornalistas coodenada pelo jornal Público (Espanha), em colaboração com outros média e jornalistas europeus. Os jornalistas que participaram nesta investigação são: Joana Ascensão (Portugal - Expresso), Kristina Bohmer (Eslováquia), Magdalena Chrzczonowicz (Polónia - OKO.press), Mayya Chernobylskaya (Alemanha), Nacho Calle (Espanha - Público), Maria Delaney (Irlanda - The Journal Investigates), Joanna Demarco (Malta), Armelle Desmaison (França), Emilia G. Morales (Espanha - Público), Bru Noya (Andorra), Apolena Rychlíková (Chéquia), Órla Ryan (Irlanda - The Journal Investigates), Sergio Sangiao (Espanha - Público), e Margot Smolenaars (Países Baixos).

Esta investigação foi desenvolvida com o apoio doJournalismfund Europe.

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