January 10, 2025

Filhos e enteados




Diferenças

Paulo Guinote

Não serei eu a contestar a centralidade da Saúde nas funções do minguado Estado Social que ainda temos. Até porque aqui por casa estamos sem médico de família e sem perspectiva de o voltar a ter, pelo que os pedidos das necessidades mais simples são deixados em bilhetinhos no Centro de Saúde, para renovar alguma receita, ou pedidos a gente amiga, caso não se queira ir engordar a sala de espera de uma clínica ou hospital privado.

Apesar disso e da evidência incontornável de o SNS andar pelas ruas da amargura em muitas “valências” e especialidades (desde logo as exigíveis para se nascer em segurança), não posso deixar de notar a diferença abissal entre a forma como se tentou, mesmo que com fracas panaceias, resolver a falta de médicos na rede pública de Saúde e o modo como se ignoraram os mais do que evidentes sinais de falta de professores nas escolas públicas.

De acordo com o Decreto-Lei 89/2010 de 21 de Julho, já era possível, a nível excepcional, a “contratação de médicos aposentados pelos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde”, mas isso implicava algumas limitações em relações à acumulação da remuneração assim recebida com a pensão de aposentação em vigor, em especial nos casos de antecipação dessa aposentação. Com o agravar das aposentações e das carências de pessoal médico, essas condições foram alteradas e passou a ser possível acumular a pensão com 75% do ordenado que ganhavam anteriormente. Afinal, noticiava-se então a falta de 600 médicos, devido a mais de 2000 aposentações nos anos anteriores, tendo-se verificado pouco mais de 300 regressos (DN, 1 de Fevereiro de 2016).

Apesar disso, o problema permaneceu (só em 2023 foram mais de 800 as aposentações, somando-se às saídas por outros motivos, e para 2024 previam-se perto de 2000) e foi necessário melhorar as condições, permitindo a acumulação da aposentação com a remuneração completa relativa ao regresso ao activo,

Durante todo este período, a falta de professores ia-se acentuando, mas, em vez de a tentar prevenir, passaram-se anos em conflitos sucessivos, motivados pelo agravamento das condições de trabalho dos docentes, cada vez mais a saírem antecipadamente da profissão.

Talvez isto explique por que, mesmo ficando abaixo das previsões (o Despacho 486/2024 permitia contratar 900 médicos aposentados em 2024), terão regressado ao activo 700 médicos (Expresso, 2 de Janeiro de 2025), mas apenas 55 professores, após as medidas de emergência do actual Governo. Recorde-se que entre 2019 e 2023 se aposentaram 3226 médicos e quase 11.000 professores, valores a rondar os 10% dos profissionais no activo. O que significa que o regresso dos médicos foi de mais de 20% daquele valor de aposentações, mas o de professores foi de apenas 0,005%.

Será mesmo necessário explicar as razões de tamanha diferença na vontade de regressar?

DN

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