December 15, 2024

«Coisas» antigas completamente actuais a- a oligarquia segundo Aristóteles

 

Aristóteles escreveu um livro chamado Política

Imaginem uma sociedade em que a minoria dos muito ricos não apenas influencia as leis, mas faz as leis, não apenas beneficiam das políticas, mas criam as políticas, onde não apenas influenciam o poder do Estado mas exercem-no. Há mais de 2300 anos, Aristóteles chamou a este tipo de governo, «oligarquia» e descreveu como este modelo de governo surge, como mantém o poder e como é instável e cai.

Para compreender o conceito de oligarquia segundo Aristóteles, convém perceber como define os seis tipos de regimes políticos que existem, divididos em duas categorias: os «verdadeiros» (para o bem comum) e os «perversos» (para benefício dos governantes).

Quanto aos três verdadeiros:

- Em primeiro lugar temos a monarquia. Na sua forma ideal, o monarca é virtuoso e governa para o bem comum.

- Em segundo lugar, a aristocracia que éc governada por uns poucos seleccionados para o efeito. Aristóteles não está a falar de uma elite de ricos, mas de uns poucos aristos, um termo grego que significa os mais virtuosos, os mais capazes membros da sociedade.

- A terceira forma verdadeira é o que Aristóteles chama «politi», por vezes traduzido como 'governo consttucional' . É um sistema misto que mistura elementos de democracia e oligarquia mas com uma base legal muito forte que impede um grupo de poder abusar do seu poder sobre outros.

Para cada um destes, Aristóteles identificou uma forma de governo pervertido, corrupto. Um governo que tem similitude com o seu contrapeso verdadeiro mas que se desviou do caminho correcto do bem comum.

O irmão gémeo perverso da monarquia é a tirania; a democracia é a forma perversa da «politi». É governada pelas massas mas sem a tal base legal forte que impede o abuso de poder de maneira que as decisões são tomadas, não para o bem comum mas para satisfazer os desejos da maioria. Segundo Aristóteles, este tipo de governo leva com frequência à instabilidade da demagogia e à erosão da justiça. Na oligarquia, os ricos e os pobres lutam entre si e a parte que vence não instaura um sistema justo mas, pelo contrário, vê o poder político como o seu troféu de vitória. Um dos lados instaura a democracia e o outro a oligarquia. 

A oligarquia é a perversão do governo pelos aristos, os mais virtuoso e capazes para um sistema em que o poder se exerce para os interesses dos próprios governantes. Já não se trata de saber quem é o mais capaz ou o mais dedicado ao bem comum, mas sim de quem é o mais rico e, o propósito do governo é a preservação do poder para o incremento da riqueza dos governantes. 

Este transformação não é repentina. É um processo gradual de decadência da aristocracia ou da «politi». Talvez comece com a selecção de uma ou outra pessoa abastada para o governo mas a certa altura esse torna-se o critério da selecção.

A oligarquia, tal como a tirania, têm como fim o interesse dos poderosos em detrimento da interesse da comunidade., mas enquanto a tirania é governada por um só com o seu pequeno círculo de confiança, a oligarquia é governada por um pequeno grupo. A grande diferença ente estas duas formas de governo é que a primeira depende da força militar para preservar o poder enquanto a segunda, a oligarquia, mantém o poder usando a riqueza, na maioria das vezes através de influência informal o que leva a leis e políticas que favorecem os mais ricos. O ponto importante é que o poder, na oligarquia, é mantido dentro do grupo restrito dos muito ricos - seja alterando as regras para aceder ao poder, seja tornando o seu acesso muito dispendioso.

Portanto, a oligarquia cria um sistema onde é legal a manipulação do sistema para satisfazer os seus interesses. Aristóteles considerava-os altivamente instáveis, apesar de parecerem mais 'legitimos' que as tiranias.

Os oligarcas fazem leis que protegem os seus monopólios ou que permitem que façam contratos lucrativos com o Estado ou que limitam a competição. Se este sistema se aprofunda leva a uma oligarquia suprema onde os governantes deixam de cuidar da própria aparência de legitimidade.

Os oligarcas, à semelhança dos tiranos, tendem a desconfiar da população em geral. Esta desconfiança, que reflecte o medo de perderem o poder -com as vantagens que traz- leva a que afastem do centro de poder os mais pobres, por exemplo, empurrando-os para fora das cidades.

A oligarquia não é um tipo único de sistema de governo mas um espectro, diríamos hoje, com vários tipos que vão desde o extremo em que o poder pertence a muito poucos extremamente ricos a outras formas onde uma pequena minoria mas mais alargada, controla o poder e, apesar de parecer mais aberta a cidadãos mais modestos, continua a guardar a chave da porta de acesso ao poder [como os partidos políticos?].

Como se formam estas oligarquias, segundo Aristóteles? 

Geralmente, um pequeno grupo de pessoas começa a acumular muita riqueza, o que por sua vez lhes permite ganhar mais influência política e, aos poucos, desenhar as políticas que servem os seus interesses, criando um círculo onde a riqueza leva ao poder e mais poder leva a mais riqueza. Um sistema que parece uma democracia ou uma aristocracia começa aos poucos a 'escorregar' para a oligarquia. 

Alguns sinais desta decadência começam a tornar-se claros: os mais ricos começam a controlar os postos de governo ou as instituições; o mérito e a competência tornam-se menos importantes que a riqueza necessária para se conseguir posições de liderança; a ideia de que a desigualdade económica justifica a desigualdade política torna-se mais aceitável.

Uma vez estabelecida, a oligarquia usa várias tácticas para manter o poder: usa o poder do Estado para manter as classes sociais distintas e cada uma no seu lugar reforçando barreiras sociais que impedem a progressão económica e social; isto envolve controlar o sistema educativo no sentido de assegurar que só os seus filhos poderão ter oportunidade de aceder a papéis de liderança. 

Aos poucos as oligarquias controlam o sistema legal e moldam as leis aos seus interesses: por exemplo, isentam-se a si mesmos de impostos [ou permitem-se deduzir os gastos em bens de luxo] enquanto taxam os outros que menos têm [e não lhe permitem deduzir coisa alguma], fazem leis que limitam a competição nos seus negócios. Aos poucos dominam todos os aspectos da sociedade, desde as infra-estruturas aos meios de produção cultural. 

As oligarquias tendem a manter as famílias das elites ligadas entre si com casamentos, por exemplo. ou através de clubes selectos onde se encontram e fortalecem laços.

Com o tempo, esta concentração de poder e riqueza leva ao declinío das virtudes públicas e o ganho pessoal torna-se a regra nas relações económicas e sociais de toda a sociedade. 

Na oligarquia, os poderosos e ricos têm abertas as portas dos poder político enquanto os mais pobres e que mais precisam têm enorme dificuldade em fazer-se ouvir - pense-se no que se passa actualmente onde os mais ricos têm direito a audiências marcadas com políticos para fazer lobbing enquanto os que menos têm e mais precisam são sistematicamente ignorados a não ser em tempos de campanhas onde todos os discursos são inconsequentes e gratuitos. Pense-se em como os políticos saem dos governos para ocupar lugares de administradores nas empresas ou bancos que beneficiaram. 

Este fluxo constante entre dinheiro e poder era o que Aristóteles associava às oligarquias. Estes sintomas não são vistos como aspectos isolados pois nenhum sistema de governo é perfeito e, elementos de oligarquia podem aparecer em outras formas de governo, mas quando se acumulam e multiplicam, são padrões sintomáticos de que um governo deixou de ter como prioridade o bem comum e se dedica ao ganho pessoal.

Numa nota positiva, Aristóteles considera as oligarquias como inerentemente instáveis (logo a seguir às tiranias) e, por isso, de curta duração - a má notícia e que também considera que as oligarquias, dado os desequilíbrios que criam, são geralmente sucedidas por outras formas de governo corruptas ou pervertidas.

Se bem que reconheça várias formas de queda de sistemas de governação, Aristóteles via a revolta contra a opressão instituída pelo Estado como o principal motivo de queda da oligarquia. O conflito interno entre os oligarcas é outro motivo da queda das oligarquias. Por exemplo, um pequeno grupo dentro da oligarquia torna-se ganancioso e tenta monopolizar a riqueza e o poder, o que leva a ressentimento e conflito que pode estabilizar todo o grupo e, desse modo, o sistema. 

Outro aspecto que faz cair a oligarquia tem que ver com a degeneração dos filhos dos oligarcas que, educados no luxo e na vida fácil, tendem a degenerar nas qualidades e tornar-se fracos, enquanto que alguns filhos de pobres tendem a tornar-se fortes com a resistência às suas condições de vida. Esta circunstância equipa-osl´ a tornarem-sideres e eficientes na sua revolta e luta contra os governantes.

Aristóteles nota que o populista, como hoje lhes chamamos, aparece nestas alturas a capitalizar o descontentamento o que leva, por vezes, a uma nova forma de governo verdadeiro mas, na maioria dos casos, leva a uma nova oligarquia ou até a uma tirania.

Aristóteles dá-nos preciosos insights sobre a dinâmica da riqueza e do poder nas oligarquias, da sua ascensão, da sua instabilidade e da sua queda.


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