Deixo aqui para este senhor que diz parvoíces como, Como se as nossas democracias fossem destruídas por pessoas que são diferentes de nós, um artigo da Philomag sobre as tensões causadas pelos problemas dos imigrantes muçulmanos nas escolas francesas, o desfasamento dos discursos oficiais de políticos e outros influenciados de políticas, sobre o abandono dos professores pelas autoridades depois de atirarem para as escolas a sua histeria e extremismo políticos (desenrasquem-se sozinhos), sobre a auto-censura dos professores por receio de serem mortos, sobre as mortes e decapitações de professores que defendem o laicismo e sobre as 36% de demissões de professores que agravam a já, histórica, falta de professores.
Hoje vou começar a abordar o tema da religião. Já sei, porque os pais já mo disseram no ano passado, que alguns alunos são 'muito católicos', outros são 'testemunhas de Jeová' (são criacionistas e literalistas), outros pensam que a religião é ridícula e coisa de estúpidos, outros odeiam as religiões e recusam-se até a entrar numa igreja para ver arte (são gays), outros são cristãos ortodoxos, um é judeu ortodoxo, outros são cristãos evangelistas (criacionistas e misóginos fanáticos). Que eu saiba não tenho muçulmanos na turma - vejo lá na escola duas raparigas com hijab, todas cobertas, de maneira que qualquer dia começam a ser presença regular nas turmas e digo isto porque muitas são pessoas intolerantes quanto a ideias contrárias às da sua religião. Depois ainda há os radicais das teorias de género que defendem que, se uma pessoa diz que é mulher, é e temos que tratá-lo como tal ou se diz que é gato, é e temos que tratá-lo como tal, etc. Na Bélgica já vão em 40 géneros...
Se Bernardo Ivo Cruz tivesse de lidar diariamente com turmas de identidades culturais que se opõem umas às outras, alguns com extremismo e até absurdos (já temos mães que vão à escola tentar proibir os professores de ensinar biologia da evolução porque contraria as suas crenças evangelistas, outras que se vão indignar porque se ensinar que a Terra é uma esfera celeste no espaço, outras que vão exigir que se ensine todas as disciplinas em inglês porque os filhos imigrantes não percebem português) e se BIC tivesse alguma noção da realidade no terreno, calava-se porque negar a realidade e viver numa bolha não resolve os problemas.
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Assim, a questão principal neste debate não é o número de imigrantes. A narrativa é a da invasão por pessoas que são diferentes de nós. Pessoas que falam outra língua, que rezam a outro Deus, que se vestem de outra forma ou que comem outras comidas. Como se as nossas democracias fossem destruídas por pessoas que são diferentes de nós. Ou que as nossas tradições não sobrevivessem ao contacto com outras identidades. Aos defensores da exclusão de quem é diferente devemos perguntar quando é que deixaram de acreditar na qualidade e na riqueza das nossas instituições e da nossa democracia. Têm medo de quê?
Bernardo Ivo Cruz in DN, de-que-tem-medo-a-europa
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Secularismo, uma batalha cada vez mais abandonada nas escolas
Charles Perragin
Quatro anos após o assassinato de Samuel Paty [o professor decapitado por um aluno muçulmano], os professores sentem-se cada vez mais isolados e abandonados pelos seus superiores. Alguns continuam a aplicar rigorosamente a lei de 2004 sobre o laicismo, por vezes apesar dos insultos e mais raramente das ameaças, enquanto outros já não querem sofrer as consequências dos debates “histéricos” dos políticos. O inquérito.
Os professores estão a ser intimidados. Em 2022, 40% afirmaram ter recebido insultos, segundo a associação L'Autonome de solidarité laïque. Mais de 16% do pessoal dos colégios e liceus receberam ameaças de alunos ou dos seus pais. Em 2% dos casos, foram mesmo proferidas ameaças de morte.
Embora o volume de violência registada se tenha mantido mais ou menos constante nos últimos anos, a comunidade educativa está a sofrer uma pressão crescente, sobretudo porque a perspetiva de ser efetivamente atacado ou morto se tornou mais tangível desde os assassinatos de Samuel Paty e Dominique Bernard.
Maitane Cocagne, secretária-geral académica adjunta do Snes-FSU de Bordéus, declarou ao Le Monde: “Há quinze anos, nós [...] levávamos [as ameaças] talvez menos a sério. Trabalhamos com adolescentes e sabemos que as coisas podem agitar-se, mas hoje temos a impressão de que desapareceram as coisas que sacralizavam as escolas e os professores.
São muitas as causas da violência no meio escolar, incluindo problemas sociais, violência no seio da família, assédio nas redes sociais e a deterioração da saúde mental dos jovens. Mas a mais preocupante é, sem dúvida, o radicalismo religioso.
Francis Z., professor de história e geografia numa escola de Essonne, ainda está a recuperar do trauma do assassínio de Samuel Paty, tanto mais que, desde há muitos anos, mostra as caricaturas de Maomé do Charlie Hebdo nas suas aulas de educação cívica. Como todos os outros, pediu o anonimato para testemunhar: “Chegámos ao ponto de o diretor da minha escola ter medo de fazer um minuto de silêncio em memória de Samuel Paty e Dominique Bernard. Estamos numa escola bastante privilegiada, apesar de a diversidade social ser cada vez maior, e isso é muito bom. Na segunda-feira passada, fez uma chamada ao microfone e quebrou o silêncio ao fim de 25 segundos, com receio de que não pudéssemos continuar sem que as coisas ficassem fora de controlo. Embora tudo estivesse a correr muito bem nas salas de aula...”.
Francis Z. continua: “A sociedade está tão fragmentada que, nalgumas aulas, sinto que não estou a falar a mesma língua que os meus alunos”, diz. “Eles não querem saber, ou pensam que o laicismo é apenas uma lei destinada a discriminar os muçulmanos. Por isso, quando explico a história do laicismo, a separação entre o poder espiritual e o poder temporal, para algumas pessoas as linhas continuam a mover-se. Para outras, ficam caladas ou desviam o olhar quando lhes mostro as caricaturas.
Abandono da hierarquia e escolas pusilânimes
O professor de História e Geografia nunca recebeu ameaças e é um dos professores que aplicam rigorosamente a lei de 15 de março de 2004 na sua turma.
“Somos muito poucos os que o fazemos com rigor. Alguns não querem problemas. Medo à parte e apesar de toda a dedicação dos professores de educação cívica, a lei da laicidade é cada vez menos aceite. Há alguns anos, envergonhava alguns miúdos muçulmanos. Hoje, uma boa parte dos jovens não compreende por que razão estamos a incomodar os seus amigos com a lei da laicidade. E mesmo alguns professores, que tendem a ser jovens e empenhados nas causas da interseccionalidade, começam a ver o laicismo como um instrumento de discriminação sistémica contra os muçulmanos."
No entanto, Francis Z. lamenta que os professores que “vão para a frente” e fazem cumprir a lei tenham sido abandonados pelos seus superiores e reitores. “Depois do assassinato de Dominique Bernard, a sala dos professores ficou em estado de prostração. Alguns deles nem sequer puderam ir para a aula. Neste contexto, quando tentamos levantar problemas concretos, a hierarquia sugere-nos que expliquemos a carta da laicidade aos alunos... Estão completamente desfasados.”
Ao nível da escola, é muitas vezes a vontade de “não fazer ondas” que prevalece, por vezes ao ponto de despedir os professores ameaçados e que tentam fazer respeitar a lei.
É o que descreve Mickaëlle Paty, irmã de Samuel Paty, no seu livro Cours de Monsieur Paty (Albin Michel, 2024). Em 2020, quatro dias antes do seu assassinato, foi publicado um vídeo que ameaçava diretamente o professor de história e geografia, deixando os professores em pânico.
Mickaëlle Paty escreve: “A diretora limitou-se a pedir ao responsável pela laicidade que regressasse à escola para tranquilizar as suas tropas, e foi organizada uma reunião de mediação com o pessoal docente às 17 horas... na ‘sala de relaxamento’. Não é possível inventar estas coisas! O esponsável pela laicidade colocou-se diante dos professores preocupados e apoiando as mãos na borda de uma mesa [...] explicou [...] que a única coisa a fazer agora era acalmar os ânimos. Quanto ao Samuel, foi posto atrás deste responsável, num canto, obrigado a calar-se como se não fizesse parte do grupo de professores. Não fez nada de mal, como lhe foi dito, mas esta encenação prova exatamente o contrário.
Em todos os inquéritos sobre o clima escolar, os professores afirmam que se sentem mais isolados e que já não confiam nos seus superiores. Nas conclusões da missão de acompanhamento do Senado sobre “Ameaças e agressões contra os professores”, publicadas em março de 2024, é referido que, em 2021, “apenas 54% dos professores afirmaram ter recebido todo o apoio do pessoal de gestão.
Acima de tudo, existe uma profunda clivagem entre o pessoal da educação nacional nas escolas e o pessoal que trabalha nos serviços centrais ou na reitoria”. E depois: “56% dos professores do ensino secundário público afirmam que já se censuraram para evitar possíveis incidentes que envolvam questões religiosas em 2021. Em comparação com apenas 36% em 2018.
Para alguns professores, foi este abandono por parte do Ministério e da Reitoria que levou a um desinteresse pela questão do laicismo, ou mesmo a uma inversão política. Como Damien X., professor numa zona de ensino prioritário em Essonne, antes de ensinar num liceu parisiense. “Durante o mandato de Jean-Michel Blanquer no Ministério da Educação, não tivemos qualquer apoio no terreno, mas, além disso, no plano político e mediático, mais do que nunca, só se falava do véu, da abaya [ler o nosso artigo], da venda ou sabe-se lá de que outra peça de vestuário. Temos cada vez menos recursos, estamos a fazer tudo o que podemos para manter um diálogo com os alunos e agora temos de suportar toda a histeria política em torno das questões de identidade e religião. A certa altura, dizemos “pára”.
No entanto, a insegurança do pessoal docente não se limita às questões religiosas. Em fevereiro de 2023, Agnès Lassalle, professora de espanhol, foi esfaqueada até à morte na sua sala de aula, em Saint-Jean-de-Luz (64), por um aluno que tinha “uma vozinha” na cabeça. Os professores que entrevistámos ficaram profundamente afectados por este incidente, embora o resto da sociedade tenha esquecido quase tudo sobre ela.
A crise da pedopsiquiatria é certamente menos objeto de debate mediático e político do que o terrorismo islâmico. Para Sarah W., professora de filosofia na região de Rennes, num liceu que considera “representativo da população francesa”, é mais uma forma de opinião política radical que se exprime nas suas turmas do último ano. “É normal, são ainda adolescentes, só conheceram as suas famílias e vêm com as suas ideias fixas”, diz desde logo.
No entanto, o professor analisa que a “crescente polarização do debate público” está a gerar “uma forma de silêncio na sala de aula que não existia antes”. De um modo geral, a tomada de posição política é entendida, para si próprio e para os outros, como uma espécie de violência que implica luta ou fuga. “Para eles, os imperativos categóricos de Kant são para os bons sonhadores. Ou se é a favor ou se é contra.
Quando se trata de conflitos no Médio Oriente, as discussões podem ser acaloradas. Por isso, necessariamente, quando estamos a tentar descobrir o que é a justiça e onde começa a vingança, no dia em que um procurador do Tribunal Penal Internacional pede um mandado de captura para Benyamin Netanyahu, o nosso papel é contextualizar as coisas, orientá-las para uma maior tolerância e humildade”. Mas uma minoria de estudantes não está convencida e alguns tomam medidas. Sarah W., que é negra, viu a sua fotografia aparecer numa rede social com uma montagem que mostrava Hitler com escravos negros. E o seu carro foi coberto de suásticas. Está a ser apresentada uma queixa.
Em 2022, três quartos dos 3733 pedidos de proteção funcional foram aceites. “No entanto, o tempo médio não parece ser compatível com a necessidade, muitas vezes urgente, de uma proteção eficaz”, acrescentam os senadores François-Noël Buffet e Laurent Lafon, que assinaram as conclusões da auditoria.
Recomendam “um maior envolvimento da polícia e da gendarmaria”. Não é certo que isto seja suficiente para travar as demissões de professores, que não param de aumentar há mais de dez anos. Em 2022, o número de demissões no ensino primário e secundário registou um aumento de 36% em relação ao ano anterior...
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