September 13, 2024

Sim e não

 



E eis que, subitamente, o PS acordou com um desejo irreprimível de mexer na lei da interrupção voluntária da gravidez, para aumentar o prazo do aborto livre. A liderança já garantiu que em breve a proposta terá prioridade na agenda parlamentar. Da minha parte, o desejo irreprimível é o de fazer algumas perguntas.

Onde estiveram os autores da ideia durante os oito anos em que a esquerda dispôs do número de A despenalização do aborto resultou do processo político democrático, em referendo e no Parlamento, com uma lei cujo equilíbrio de valores a generalidade das pessoas foi aceitando. Ela concede um prazo razoável para o exercício da liberdade de escolha, sem limitar desproporcionalmente o direito à vida intra-uterina.
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É verdade que continuou a haver muita gente desconfortável com a abertura legal de então. Mas não há qualquer movimento a colocar seriamente em causa o equilíbrio a que se chegou.

Até ao dia em que um grande partido disser que esse equilíbrio caducou. Aí valerá tudo. E não se poderá exigir aos opositores do aborto, ainda por cima encorajados pela guinada do Ocidente à direita, que não desejem ter também uma palavra a dizer.

Estão certos de que querem mesmo reiniciar a guerra do aborto? Boa sorte.

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Sim, é verdade que o PS está a querer abrir a discussão como estratégia política pois teve uma maioria absoluta e nunca se interessou pelo assunto.

Não, não verdade que a questão do aborto deva estar para além da discussão por medo de se retroceder nos direitos das mulheres. Isso é uma estratégia de medo para fazer nada. 

A questão é que as dez semanas da lei, correspondem a dois meses e meio. A maioria das raparigas e das mulheres, só se apercebe que estará grávida já com um mês e meio, ou mais, de gravidez.  Daí até poder realizar uma IVG dentro do prazo, sobra pouco tempo. Ora, como sabemos, a legislação que permite a IVG não é aplicada de maneira a que as raparigas e as mulheres possam beneficiar desse serviço de saúde porque, ora não arranjam médico que não seja objector de consciência, ora é preciso fazer fazer períodos de reflexão depois da mulher ter de aturar uma palestra de um médico sobre os seus princípios filosóficos e religiosos, ora marca-se o procedimento mas de repente os médicos que não são objectores de consciência desaparecem do hospital e tem de ir a outro e reiniciar o processo, etc. 

O prazo é muito apertado e na prática, o que sabemos pelas notícias que lemos é que realizar uma IVG no país é uma corrida de 10.000 km com obstáculos que deixam as raparigas e as mulheres sem acesso aos seus direitos. E é verdade que o PS esteve no governo com uma maioria absoluta e nada fez para mudar a situação. Somos um país machista. Até o processo da obtenção da pílula do dia seguinte dificultam.

Portanto, a discussão, mesmo que seja um aproveitamento político do PS, deve ser feita, no mínimo para que se cumpra a legislação em vigor.

2 comments:

  1. Dificultam a obtenção da pílula do dia seguinte?! De que forma? Nas conferências a que assisti era de venda livre. Já não é?

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    1. A venda é livre mas há farmacêuticos que envergonham as raparigas em frente de toda a gente. E nas consultas de planeamento familiar também há enfermeiras que envergonham as raparigas em frente de toda a gente como técnica de dissuasão.

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