As provas de aferição são um instrumento de avaliação externa aplicado no Ensino Básico em Portugal que consomem inutilmente recursos humanos, tempo lectivo e tempo de aprendizagem. Não tenho memória de alguma vez, de forma demonstrada, terem contribuído para a melhoria do ensino não só de quem aprende mas também de quem ensina.
O objectivo principal de aferir o nível de aprendizagem dos alunos em áreas consideradas estratégicas para o seu desenvolvimento e fornecer informações para o acompanhamento do seu progresso escolar devia ser sempre uma prerrogativa exclusiva do professor. E sempre foi até ao dia em que inventámos estas inúteis provas.
Países que regularmente têm bons desempenhos no PISA e não têm provas nacionais de aferição, como Suíça, Japão, Coreia do Sul, Singapura e Canadá, apostam antes na orientação individualizada monitorizada por professores, portanto, apostam em quem devem apostar – nos professores – para aferir o que se aprende e como se aprende. Acompanhamento individualizado através de tutorias e mentorias, onde os professores oferecem suporte adicional fora do horário de aula, planos de aprendizagem individualizados que atendem às necessidades específicas de cada aluno, especialmente aqueles com dificuldades de aprendizagem, são parte do trabalho profissional dos professores desses países, com horários de trabalho adequados a essas tarefas, são suficientes para aferir a progressão escolar regular de todo o sistema educativo
Em Portugal, optámos por outro caminho. Abolidos os exames nacionais de final de ciclo, que deviam ser suficientes para aferições nacionais, optámos pela ilusão de provas de aferição em anos que deviam estar protegidos de testes massificados, apostando antes no reforço de aprendizagens perdidas e outras que podem ser melhoradas como a criatividade, o pensamento crítico e a resolução de problemas.
Países que regularmente têm bons desempenhos no PISA e não têm provas nacionais de aferição, como Suíça, Japão, Coreia do Sul, Singapura e Canadá, apostam antes na orientação individualizada monitorizada por professores, portanto, apostam em quem devem apostar – nos professores – para aferir o que se aprende e como se aprende. Acompanhamento individualizado através de tutorias e mentorias, onde os professores oferecem suporte adicional fora do horário de aula, planos de aprendizagem individualizados que atendem às necessidades específicas de cada aluno, especialmente aqueles com dificuldades de aprendizagem, são parte do trabalho profissional dos professores desses países, com horários de trabalho adequados a essas tarefas, são suficientes para aferir a progressão escolar regular de todo o sistema educativo
Em Portugal, optámos por outro caminho. Abolidos os exames nacionais de final de ciclo, que deviam ser suficientes para aferições nacionais, optámos pela ilusão de provas de aferição em anos que deviam estar protegidos de testes massificados, apostando antes no reforço de aprendizagens perdidas e outras que podem ser melhoradas como a criatividade, o pensamento crítico e a resolução de problemas.
Os resultados das provas de 2022 (conhecidos em 2023) foram péssimos. O que se fez em concreto em 2024 para aproveitar esses sinais de aprendizagens falhadas? Absolutamente nada. Em vez de planos de remediação verdadeiros – não os que artificialmente se criaram ad hoc em cada escola –, empurrámos para a frente para mais uma edição de provas que nada aferem e tudo paralisam na escola pública.
Deixo de lado o carnaval a que obriga a preparação destas provas digitais (escolas e alunos sem computador, computadores impreparados à hora nacional das provas, Internet falhada, logins falhados, salas de aula com um tomada para 30 portáteis, atrasos de toda a ordem, wireless à velocidade do caracol, etc.). Deixo de lado a total falta de compromisso da maior parte dos alunos que fazem estas provas (por um lado, todos deviam conhecer o que escrevem nos enunciados das provas para poderem ter o retrato real dos seus conhecimentos e do desprezo com que encaram esta “avaliação formativa”, mas, infelizmente, as únicas testemunhas deste desastre educativo são os professores, aqueles em quem menos se confia).
Ainda assim, gastámos já, de acordo com o PRR, 105 milhões de euros para o Impulso Mais Digital, uma iniciativa que visa modernizar a educação no país e que inclui 600 mil computadores portáteis que foram entregues a alunos, muitos dos quais a apodrecer nas arrumações perdidas de muitas escolas. Se ainda não estávamos preparados para dar este passo – provas nacionais digitais –, porque insistimos no modelo?
Mas aceitemos que estas provas são irreversíveis por alguma crença que não consigo partilhar neste momento. Olhando para a prova de Português, que segue o mesmo padrão da prova de 2022, e que trouxe resultados luctíferos, é fácil adivinhar o mesmo desastre para a prova de 2024. Pior ainda é saber que nada irá ser feito para mudar efectivamente um ensino reduzido à sua essencialidade. Dito de outra forma, estamos a falhar a essencialidade do nosso ensino e nem isso nos parece desassossegar.
Deixo de lado o carnaval a que obriga a preparação destas provas digitais (escolas e alunos sem computador, computadores impreparados à hora nacional das provas, Internet falhada, logins falhados, salas de aula com um tomada para 30 portáteis, atrasos de toda a ordem, wireless à velocidade do caracol, etc.). Deixo de lado a total falta de compromisso da maior parte dos alunos que fazem estas provas (por um lado, todos deviam conhecer o que escrevem nos enunciados das provas para poderem ter o retrato real dos seus conhecimentos e do desprezo com que encaram esta “avaliação formativa”, mas, infelizmente, as únicas testemunhas deste desastre educativo são os professores, aqueles em quem menos se confia).
Ainda assim, gastámos já, de acordo com o PRR, 105 milhões de euros para o Impulso Mais Digital, uma iniciativa que visa modernizar a educação no país e que inclui 600 mil computadores portáteis que foram entregues a alunos, muitos dos quais a apodrecer nas arrumações perdidas de muitas escolas. Se ainda não estávamos preparados para dar este passo – provas nacionais digitais –, porque insistimos no modelo?
Mas aceitemos que estas provas são irreversíveis por alguma crença que não consigo partilhar neste momento. Olhando para a prova de Português, que segue o mesmo padrão da prova de 2022, e que trouxe resultados luctíferos, é fácil adivinhar o mesmo desastre para a prova de 2024. Pior ainda é saber que nada irá ser feito para mudar efectivamente um ensino reduzido à sua essencialidade. Dito de outra forma, estamos a falhar a essencialidade do nosso ensino e nem isso nos parece desassossegar.
Preocupa-me que a “aferição” de Português se meça pela capacidade de escolher uma resposta entre três para decidir uma interpretação textual ou para identificar uma figura de estilo. Os alunos de hoje julgam que a estilística é uma espécie de lotaria textual. Compreender o que seja uma metáfora e todas as suas possibilidades infinitas é menos importante do que adivinhar a resposta mais próxima à fórmula que aprenderam. Como tentar explicar publicamente que tudo isto está tão errado?
O mecanismo complexo da nossa língua escapa há muito tempo à essencialidade do seu ensino. Nada à volta dos alunos actuais os ajuda a melhor compreender a complexidade da nossa língua. As práticas de leitura gradualmente complexa dos textos (literários e não literários) perde-se em grande parte, não só porque o currículo essencial as deixa de fora como as provas nacionais as ignoram. E vão piorando até aos exames nacionais de Português de 12.º ano, onde a capacidade de argumentação lógico-crítica, o conhecimento histórico e filosófico da nossa cultura e das culturas com que nos cruzámos, o pensamento crítico sobre os conceitos e as teorias, a própria capacidade para duvidar do conhecimento adquirido são metas impossíveis que sobram para os primeiros anos do Ensino Superior, também ele agora obrigado a voltar ao essencial se quiser chegar perto do conhecimento mais complexo.
Haja coragem para acabar com estas provas que nada aferem e nada de bom trazem para o nosso ensino. Invista-se antes em tempo útil de aprendizagem. E haja coragem para confiar no papel do professor como a entidade que verdadeiramente pode aferir todos os passos da aprendizagem e o único que pode garantir a sua integridade e o seu futuro.
Carlos Ceia Professor Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa
O mecanismo complexo da nossa língua escapa há muito tempo à essencialidade do seu ensino. Nada à volta dos alunos actuais os ajuda a melhor compreender a complexidade da nossa língua. As práticas de leitura gradualmente complexa dos textos (literários e não literários) perde-se em grande parte, não só porque o currículo essencial as deixa de fora como as provas nacionais as ignoram. E vão piorando até aos exames nacionais de Português de 12.º ano, onde a capacidade de argumentação lógico-crítica, o conhecimento histórico e filosófico da nossa cultura e das culturas com que nos cruzámos, o pensamento crítico sobre os conceitos e as teorias, a própria capacidade para duvidar do conhecimento adquirido são metas impossíveis que sobram para os primeiros anos do Ensino Superior, também ele agora obrigado a voltar ao essencial se quiser chegar perto do conhecimento mais complexo.
Haja coragem para acabar com estas provas que nada aferem e nada de bom trazem para o nosso ensino. Invista-se antes em tempo útil de aprendizagem. E haja coragem para confiar no papel do professor como a entidade que verdadeiramente pode aferir todos os passos da aprendizagem e o único que pode garantir a sua integridade e o seu futuro.
Carlos Ceia Professor Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa
Para ter os atuais exames de 9.º e de 12.º anos de Português, mais vale acabar com eles. Aquilo é nada, nada testa, nada prova... Num país onde a esmagadora maioria não compreende o que lê, se atingir um grau de complexidade acima do básico, e é incapaz de redigir uma frase escorreita, ninguém estranha os ótimos resultados nos exames referentes à disciplina?
ReplyDeletePara os exames serem feitos para, de facto, testar (conhecimentos e competências), a educação tem de ser mais do que certificar.
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