June 05, 2024

Não interpreto a situação da Europa desta maneira

 


A Europa está em transição de um “projecto de paz” para um “projecto de guerra? Vejamos, a Europa estava num caminho de paz, de repente tem uma guerra no seu âmago, o que deveria fazer? Fingir não ver e continuar na sua vidinha? Deixar os ucranianos ao 'Deus dará'? Desde quando um projecto de paz implica falta de solidariedade e conivência com países coloniais brutais? Aliás, o projecto de paz da Europa sempre foi um projecto de democracias contra ditaduras. Cumprir critérios democráticos é obrigatório para entrar na UE. Devia deixar a Rússia ir andando, andando, até à Porta de Brandemburgo?

Portanto, a Europa não se transformou num 'projecto de guerra'. A Europa está a lidar com a realidade e a realidade é que dentro dos EUA, os apoiantes de Trump são contra a NATO, contra a Ucrânia e a favor de Putin e Biden recua todos os dias um bocadinho com medo que o apoio à NATO e à Ucrânia lhe ponha em causa as eleições. A realidade é que os EUA se tornaram uma paródia com metade dos políticos a prestarem vassalagem a um indivíduo bronco, venal, criminoso e cheio de apetência pelo poder não-democrático. E a Europa está a lidar com essa realidade de ter de deixar de contar com o apoio do principal aliado e ter de se desvencilhar sozinha. E para isso precisa de ser independente e forte militarmente. Isso não é 'um projecto de guerra', é uma precaução, para podermos seguir em frente com o nosso projecto de paz e não ficarmos reféns de Putins, Trumps e Xis.

No passado, acreditávamos que podíamos transformar inimigos em amigos através de relações económicas próximas? Estávamos a ser enganados por Putin que desde que chegou ao poder, nunca teve intenção de ser um 'amigo'. Foi sempre um impostor. A primeira coisa que fez quando chegou ao Kremlin foi invadir a Geórgia à maneira soviética. Infelizmente a Europa não teve políticos de visão, nomeadamente na Alemanha, que percebessem o perigo da Rússia invadir a Ucrânia, logo em 2014 e apoiaram-no parvamente. Em 2022, lá perceberam, muito a custo. E os EUA a mesma coisa. Isso tem sido um parto a ferros.

Por conseguinte, a Europa está a lidar com a realidade. Se tivessem apoiado a Ucrânia logo de início, a guerra estava acabada há muito, mas como os governantes de mais peso na Europa e nos EUA são, ou fascinados por ditadores e parecem, alguns, infantis a falar com ele, ou medrosos ou gananciosos, arrastou-se e agora é mais difícil. E quanto mais tempo levarmos a ajudar a Ucrânia e a tornarmo-nos independentes militarmente mais difícil será.

Nem me parece que haja uma crise de identidade na Europa. Pelo contrário, há muito tempo que a Europa não estava tão unida (tirando um breve tempo aquando do Covid) a favor de se defender, de parar Putin, de lidar com o amancebado de Putin que é Orban. 

A divisão de esquerda direita da Europa foi criada, há muito tempo, pela esquerda francesa para capitalizar votos dividindo a direita. Abriram o fosso, os outros foram atrás e agora não sabem fechá-lo, porque é fácil destruir, construir é que é difícil.

Mark Leonard: “A invasão da Ucrânia abriu uma crise de identidade na União Europeia”


A Europa está em transição de um “projecto de paz” para um “projecto de guerra”, acredita o director do European Council on Foreign Relations.


Escreveu recentemente que a UE está a atravessar um processo de transição de um “projecto de paz” para um “projecto de guerra”. O que quer dizer exactamente?

O que quero dizer é que, quando Putin lançou uma invasão em grande escala da Ucrânia, não abriu apenas uma crise de segurança, abriu uma crise de identidade, porque o núcleo central da identidade europeia foi posto em causa. A União Europeia era um projecto essencialmente de soft power e agora estamos a viver um processo de rearmamento maciço em curso em muitos países, incluindo na Alemanha, onde sempre houve um grande cepticismo sobre isso. Em segundo lugar, também mudou a forma como pensávamos a interdependência. No passado, acreditávamos que podíamos transformar inimigos em amigos através de relações económicas próximas. Percebemos agora que isso também nos cria vulnerabilidades, sem realmente alterar a natureza desses países. Essa compreensão provocou uma alteração psicológica importante.

O terceiro factor é sobre as fronteiras da Europa. No passado, pensávamos que as fronteiras tinham pouca importância e que o projecto europeu era acabar com elas. Hoje, tornaram-se uma questão existencial. Tínhamos a ideia de que havia a União, a Rússia e uma série de países entre ambas…

Uma zona cinzenta.
Sim. E hoje pensamos que definir fronteiras é realmente importante e que não podemos permitir-nos manter essa zona cinzenta. A questão passou a ser: ancoramos a Ucrânia ou a Moldova numa comunidade de segurança europeia ou não. Isto também faz parte desta transformação.


Creio que estamos a caminho de criar uma economia de guerra.

É isso que designa por “projecto de guerra”?
Sim, porque a força motriz da integração europeia passou a ser como respondemos à guerra na Ucrânia. É daí que vem grande parte da energia.


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