April 05, 2024

Três páginas da República de Platão que se aplicam perfeitamente à situação corrente

 


Platão, cuja infância decorreu no período da terrível guerra entre Atenas e Esparta e que viu a ganância que levou os atenienses a invadir Siracusa e a falência moral e material a que essa loucura levou a cidade de Atenas com a consequência do estabelecimento do governo dos trinta tiranos, adverte aqui, na República, contra a desunião dos cidadãos (uma cidade desunida e em clivagem, tantos entre classes como entre gerações nem sequer pode ser chamada de 'comunidade') e contra o desejo de querer crescer mais e mais. Existe uma proporção correcta para o tamanho/riqueza de uma cidade: se ficar aquém lutam uns com os outros pelos pouco que há, se for além criam excesso de individualismo que leva a grandes divisões entre ricos e pobres e dessa divisão vêm as outras. Sendo a desunião em assuntos fundamentais (justiça, tipo de governo, etc.) a pior característica que pode atingir os cidadãos de uma polis, o seu administrador deve cuidar que ela não cresça ao ponto de fomentar a desunião, que leva às guerras. As guerras, segundo Platão, são momentos e situações de baixeza moral generalizada.

Estava a ler isto e parece-me que se aplica perfeitamente à Rússia: um país que quer crescer ilimitadamente, em território e poder, que tem a sua sociedade profundamente dividida, governada por um tirano que fomenta a guerra e a baixeza moral. No entanto, a Ucrânia, que se defende da guerra (é a Siracusa de Atenas) conseguiu esse feito de se unir na defesa e de não ter deixado que a baixeza moral se dissemine por conta da guerra. Isto deve-se a quê?

Platão diria que isto se deve a um administrador justo. Porém, no caso, o administrador foi eleito democraticamente, o que contraria a inclinação de Platão, que depois de tudo o que assistiu durante a juventude -que culminou com a condenação e morte de Sócrates- nunca mais confiou no voto democrático do povo -ignorante e manipulável- e só no fim da vida veio a admitir que não se pode governar a cidade sem levar em conta a opinião dos cidadãos. Seja como for, Platão diria que as virtudes do governante são quem imprime uma dinâmica de contenção moral aos seus concidadãos e que a Rússia, sendo governada por um administrador sem virtudes e profundamente imoral, propaga com o seu exemplo e falta de sabedoria, a decadência, material e moral, do seu povo.

Também se aplica ao que se passa nos EUA e a perspectiva de Trump voltar a ser escolhido pelo povo para administrar com imoralidade, vício e demérito o país, levaria Platão a confirmar as suas ideias acerca do perigo que espreita constantemente as democracias.


da República de Platão da ed. Gulbenkian - acesso digital aberto neste link 





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