March 24, 2024

Poder judiciário em Portugal - uma sugestão de uma cidadã preocupada

 


Fui à procura do número de estudantes portugueses em Erasmus e da porcentagem de alunos do curso de Direito entre eles. Nada. A Universidade Portucalense - Infante D. Henrique - tem esses dados publicados na sua página. De resto, não encontrei nenhuma informação significativa.

Queria saber, tendo em conta que o curso de Direito, ao contrário dos outros em geral, é muito fechado na realidade portuguesa, se esse fechamento não era contrariado com um elevado número de alunos universitários a usarem o programa Erasmus para alargarem a mente e os horizontes culturais. 

Por vezes, quando digo aos meus alunos que não podem, não aprender a ser proficientes numa língua estrangeira, sobretudo o inglês e que logo no 1º ano da minha licenciatura tive que aprender a ler fluentemente inglês, francês e espanhol, sob pena de não passar nenhuma cadeira, eles respondem que não precisam porque querem estudar Direito que é um curso onde se estuda a Lei Portuguesa. Para além disso não ser inteiramente verdade, porque o Direito Comunitário existe, acresce que ficar restrito a estudos portugueses de Portugal é muito limitador e cria atavismo cultural - um certo provincianismo.

Até há uma dúzia de anos ainda era obrigatório que os alunos que queriam seguir direito tivessem que estudar o 12º ano de Filosofia, porque a doutrina do Direito não veio do nada, está construída em pressupostos filosóficos. Isso dava aos estudantes uma visão universal e supra-temporal do Direito, mas agora não é preciso estudar coisa nenhuma para coisa alguma... Nem latim já estudam, apesar da nossa língua estar construída sobre o latim e o Direito ser um ofício linguístico.

A mim parece-me que a condenação da liberdade de expressão de Pedro Arroja (ver no post anterior e de ontem), bem como o desmerecimento que muitos juízes portugueses têm do TEDH, se enquadra num certo provincianismo de ideias, de cultura. Daí querer saber quantos estudantes de Direito fazem Erasmus em outros países europeus e têm contacto com outras ideias acerca do exercício da liberdade de expressão, da justiça e dos Direitos Humanos.

No Portal do Governo há uma alusão pouco clara ao relatório da Comissão Europeia de 2010 sobre o programa Erasmus. Procurei na Pordata, não encontrei. Perdi algum tempo a procurar informação nos sites das universidades mas o que encontrei foram alguns dados particulares e dispersos.

No Portal do Governo encontra-se o número de estudantes a frequentar o ensino superior português em 2022-23: 446 028, sendo que quase 50 mil são estrangeiros. Portanto, há cerca 400 mil alunos portugueses a frequentar o ensino superior. 

Fui ao ver quantos estudantes portugueses usam o programa Erasmus no relatório anual Erasmus + 2022 da Comissão Europeia. No relatório, na parte dedicada a Portugal vemos que cerca de 36.500 estudantes usaram o programa em 2022. Não há dados sobre que cursos mais frequentam o programa, embora saibamos que o Ministério do Ensino Superior tem esses dados. Não sei se não os fornecem ou se nem querem saber do assunto.

clicar na imagem para ir directamente à página do relatório

Tendo em conta os cerca de 400 mil estudantes do ensino superior em Portugal, este número de 36.500 estudante em Erasmus, não chega a 10%. Dado que somos um país periférico e atrasado em muitas dimensões, relativamente a outros cuja vida é um constante intercâmbio com os seus muitos vizinhos de fronteira, é muito pouco. Sobretudo se olharmos os benefícios que os participantes do programa Erasmus em geral atribuem a essa estadia em instituições/países estrangeiros:

Como pode ver-se, entre os ganhos com maior valor contam-se, a apercepção cultural (essa consciência de estarem inseridos num todo cultural muito mais vasto e variado que a realidade portuguesa), o desenvolvimento da competência em geral e de competências particulares de, cidadania, pessoal e social.

A que propósito vem isto tudo? A mim preocupa-me o caminho da justiça em Portugal, nomeadamente no que respeita a este desprezo que muitos juízes têm com os Direitos Humanos e o Tribunal Europeu dessa instância, ao ponto de não ser incomum esse tribunal reverter sentenças de tribunais portugueses e repreender os juízes por essa desconsideração de direitos universais de cidadania. 

Parece-me que seria de valor obrigar os estudantes portugueses que concorrem para juízes a fazerem uma formação em Direitos Humanos, não só do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista filosófico e também a fazerem um estágio no TEDH. Custa dinheiro? Pois custa, mas se queremos ter uma justiça de qualidade sem a qual a democracia não existe a não ser perfunctoriamente, tem que investir-se nela. É esta a minha sugestão.


No comments:

Post a Comment