Água mole em pedra dura?
O TEDH viu-se obrigado, uma vez mais, a “dar nas orelhas” dos nossos juízes que, infelizmente, continuam a ignorar ou a não entender que a liberdade de expressão não é um bibelot jurídico.
Francisco Teixeira da Mota
O economista Pedro Arroja, a propósito de um parecer do escritório do advogado e político Paulo Rangel respeitante as obras da ala pediátrica oncológica do Hospital de S. João, em que, como era facto público e notório, estava profundamente empenhado, afirmara, no Porto Canal, que tal parecer tinha paralisado a obra e acrescentara: “Isto vem a propósito da promiscuidade entre política e negócios ou atividade profissional, neste caso juristas (...). O dr. Paulo Rangel é um exemplo acabado, no fim de contas, ele é um político e ao mesmo tempo está à frente de uma grande sociedade de advogados. É preciso capacidade. Ainda por cima é político eurodeputado, está muito tempo no estrangeiro, o que é que isto significa? Como político anda certamente a angariar clientes para a sua sociedade de advogados, clientes sobretudo do Estado: Hospital São João, câmaras municipais, ministérios disto e ministérios daquilo. Quando produzem um documento jurídico, a questão que se põe é: este documento é um documento profissional de um jurista profissional ou, pelo contrário, é um documento político para compensar a mão que lhes dá de comer? Tudo pode acontecer! E neste caso, desta palhaçada, é um documento político para compensar a mão que lhes dá de comer.”
Uma opinião dura e contundente, expressando as legítimas suspeições do economista sobre um assunto de interesse público.
Lamentavelmente, Paulo Rangel queixou-se criminalmente e em Março de 2019, ainda mais lamentavelmente, o Tribunal da Relação do Porto (TRP), na tradicional missão judicial de calar as vozes críticas, condenou o economista Pedro Arroja pela prática de um crime de difamação e de ofensa a pessoa colectiva em 350 dias de multa, à taxa de € 20 por dia e no pagamento de uma indemnização de € 10.000 a Paulo Rangel e outra de € 5000 à sociedade de advogados Cuatrecasas de que era director. Não foi um bodo aos pobres, porque não o eram...
Salvou a honra do convento a juíza desembargadora Paula Guerreiro~, que, no seu voto de vencida, invocou a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) e defendeu a absolvição de Pedro Arroja, considerando que “o interesse público em causa levava que a se devesse dar preponderância à tutela da liberdade de expressão em relação ao interesse do ofendido e à sua reputação”. Na altura, publiquei aqui uma crónica com o título Paulo Rangel, 1 – Liberdade de expressão, 0 em que classificava esta decisão do TRP como “verdadeiramente retrógrada”...
Na terça-feira passada, o TEDH viu-se obrigado, uma vez mais, a “dar nas orelhas” dos nossos juízes que, infelizmente, continuam a ignorar ou a não entender que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) não é um qualquer exotismo legal, nem a liberdade de expressão um bibelot jurídico. No caso Almeida Arroja contra Portugal, o TEDH declarou, sem sombra para dúvidas, que esta decisão do TRP violara a liberdade de expressão que nos é garantida pela CEDH – que faz parte do nosso direito interno e que os nossos tribunais estão obrigados respeitar – e condenou Portugal a indemnizar Pedro Arroja em € 10.000,00 pelos danos morais que lhe foram causados com esta decisão.
Curiosamente, as autoridades portuguesas já conseguiram que o TEDH não condenasse o nosso país a pagar ao economista os € 15.000,00 que este pagou ao advogado e ao escritório: para obter a devolução desse dinheiro, terá de propor uma ação no tribunal criminal para anular a condenação judicial e, assim, absolvido, poder exigir a devolução do dinheiro daqueles que injustamente o receberam. Passam, assim, a sair mais baratas ao Estado português as ilegalidades cometidas pelos nossos juízes, ao desprezarem a CEDH, e muito mais caras às suas vítimas, que terão de ir gastar tempo e dinheiro para tentar obter uma nova sentença em que sejam absolvidas, se tudo correr bem.
Neste novo processo judicial de revisão de sentença transitada em julgado, o economista terá de invocar a existência desta decisão do TEDH e que a mesma é inconciliável com a sua condenação anterior. Processo que tem de ser autorizado, previamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça e que tem um resultado incerto: se Pedro Arroja se deparar com algum juiz “alérgico” à CEDH e às decisões do TEDH, corre o risco de ser novamente condenado com qualquer outra fundamentação. A resistência dos tribunais nacionais em aceitarem que, em termos de valor legal, a CEDH, estando abaixo da Constituição, está acima do Código Penal, é uma verdadeira pedra dura que não se pode desvalorizar. E, se assim vier a suceder, Pedro Arroja terá de voltar ao TEDH, com uma nova queixa, buscar mais água...
Francisco Teixeira da Mota
O economista Pedro Arroja, a propósito de um parecer do escritório do advogado e político Paulo Rangel respeitante as obras da ala pediátrica oncológica do Hospital de S. João, em que, como era facto público e notório, estava profundamente empenhado, afirmara, no Porto Canal, que tal parecer tinha paralisado a obra e acrescentara: “Isto vem a propósito da promiscuidade entre política e negócios ou atividade profissional, neste caso juristas (...). O dr. Paulo Rangel é um exemplo acabado, no fim de contas, ele é um político e ao mesmo tempo está à frente de uma grande sociedade de advogados. É preciso capacidade. Ainda por cima é político eurodeputado, está muito tempo no estrangeiro, o que é que isto significa? Como político anda certamente a angariar clientes para a sua sociedade de advogados, clientes sobretudo do Estado: Hospital São João, câmaras municipais, ministérios disto e ministérios daquilo. Quando produzem um documento jurídico, a questão que se põe é: este documento é um documento profissional de um jurista profissional ou, pelo contrário, é um documento político para compensar a mão que lhes dá de comer? Tudo pode acontecer! E neste caso, desta palhaçada, é um documento político para compensar a mão que lhes dá de comer.”
Uma opinião dura e contundente, expressando as legítimas suspeições do economista sobre um assunto de interesse público.
Neste novo processo judicial de revisão de sentença transitada em julgado, o economista terá de invocar a existência desta decisão do TEDH e que a mesma é inconciliável com a sua condenação anterior. Processo que tem de ser autorizado, previamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça e que tem um resultado incerto: se Pedro Arroja se deparar com algum juiz “alérgico” à CEDH e às decisões do TEDH, corre o risco de ser novamente condenado com qualquer outra fundamentação. A resistência dos tribunais nacionais em aceitarem que, em termos de valor legal, a CEDH, estando abaixo da Constituição, está acima do Código Penal, é uma verdadeira pedra dura que não se pode desvalorizar. E, se assim vier a suceder, Pedro Arroja terá de voltar ao TEDH, com uma nova queixa, buscar mais água...
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