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Foi em 6 de abril de 2011. O primeiro-ministro ia anunciar ao país que pediria um resgate financeiro internacional. A decisão não tinha sido pacífica. Sócrates queria guardá-la para depois das eleições (é a opinião do seu ministro das Finanças), ou com outro governo (e assim culpando o senhor que se seguisse) ou com o seu, sem ter perdido votos com esta assunção do próprio descontrolo orçamental. Mas Teixeira dos Santos traiu o primeiro-ministro, num assomo de consciência final para salvar o país (depois de ser coautor do mencionado descontrolo). Sócrates não pôde mais fugir.
Seria de esperar de um primeiro-ministro prestes a anunciar um evento político extremamente grave, trazido pela sua política irresponsável, leviana e narcisista, uma compleição um tanto deprimida ou, pelo menos, envergonhada. Nada disso. Sócrates foi ao púlpito da conferência de imprensa para um ensaio, involuntariamente difundido pela TVI. Afinal a preocupação de Sócrates não era a gravidade do que ia anunciar. Não: Sócrates estava preocupado se devia fazer o anúncio com a cara direita ou virada uns graus para o lado. Depois de conduzir o país a um período negro e traumático, a imagem, a propaganda, a construção da narrativa permaneciam o fulcral para Sócrates.
A austeridade não começou só com a troika. Já que o PS tanto gosta de reviver o passado durante a troika, para assustar eleitores, vale a pena dar uma revisão nas políticas implementadas por Sócrates.
Sócrates acusado de corrupção, em boa verdade, deu cobertura ao PS para fingir que o gosto pelas fotocópias ilícitas era o único problema político de Sócrates. Não era. A mentira constante, a agressividade do "animal feroz", os ataques a todas as instituições que lhe limitavam o poder, a opacidade, os negócios por explicar, a ânsia de controlar, o uso, à vez, da lisonja, da bajulação, do aliciamento ou do ataque para lidar com os críticos. Tudo isto gerou um ambiente político podre. E em parte continua no manual de operações do PS (vejam-se os ataques às claras ao Ministério Público).
Não tenho caracteres para evocar as numerosas suspeitas que pairaram sobre Sócrates enquanto primeiro-ministro – enquanto o PS o apoiava caninamente, sem se incomodar com a acumulação de casos esquisitos rodeando o socialista. Porém podemos lembrar várias das medidas de austeridade que o PS começou a aplicar desde meados de 2010 e as que constavam do famoso e infame PEC 4 (porque os PEC 1 a 3 sucediam-se sem estabilizar as contas públicas) e do memorando da troika – segundo Sócrates, e o PS, mais ou menos as mesmas que queria implementar sem troika.
A sobretaxa do IRS, aquela que o PS atual sempre diz que "devolveu" aos trabalhadores? Foi decidida primeiramente em maio de 2010 pelo PS, aumentando cada taxa de 1 a 1,5 pontos percentuais.
O IVA, aquele imposto regressivo que penaliza os mais pobres, cujo rendimento tem maior proporção de consumo? Foi Sócrates que aumentou para 23% em setembro de 2010.
Cortes nos salários dos funcionários públicos? Na mesma altura o PS implementou um corte de 5% na massa salarial do Estado, começando os cortes nos salários a partir de 1500€.
Pensões a partir dos 1500€ objeto de uma Contribuição Excecional de Solidariedade? Também Sócrates. Para 2011 previa, com o PEC 4, 800 milhões de euros de poupança nas pensões. E, claro, foram congeladas.
Corte de 20% no RSI e reduções de prestações sociais essenciais como o abono de família (reduzido nuns escalões e eliminado noutros)? Outra vez o PS.
Diminuição do valor e duração do subsídio de desemprego? PS nestes anos de ouro. Diminuição da despesa na saúde e escolas e congelamento do investimento público? Acertaram: Sócrates.
Maria João Marques in publico.pt
Foi em 6 de abril de 2011. O primeiro-ministro ia anunciar ao país que pediria um resgate financeiro internacional. A decisão não tinha sido pacífica. Sócrates queria guardá-la para depois das eleições (é a opinião do seu ministro das Finanças), ou com outro governo (e assim culpando o senhor que se seguisse) ou com o seu, sem ter perdido votos com esta assunção do próprio descontrolo orçamental. Mas Teixeira dos Santos traiu o primeiro-ministro, num assomo de consciência final para salvar o país (depois de ser coautor do mencionado descontrolo). Sócrates não pôde mais fugir.
Seria de esperar de um primeiro-ministro prestes a anunciar um evento político extremamente grave, trazido pela sua política irresponsável, leviana e narcisista, uma compleição um tanto deprimida ou, pelo menos, envergonhada. Nada disso. Sócrates foi ao púlpito da conferência de imprensa para um ensaio, involuntariamente difundido pela TVI. Afinal a preocupação de Sócrates não era a gravidade do que ia anunciar. Não: Sócrates estava preocupado se devia fazer o anúncio com a cara direita ou virada uns graus para o lado. Depois de conduzir o país a um período negro e traumático, a imagem, a propaganda, a construção da narrativa permaneciam o fulcral para Sócrates.
A austeridade não começou só com a troika. Já que o PS tanto gosta de reviver o passado durante a troika, para assustar eleitores, vale a pena dar uma revisão nas políticas implementadas por Sócrates.
Sócrates acusado de corrupção, em boa verdade, deu cobertura ao PS para fingir que o gosto pelas fotocópias ilícitas era o único problema político de Sócrates. Não era. A mentira constante, a agressividade do "animal feroz", os ataques a todas as instituições que lhe limitavam o poder, a opacidade, os negócios por explicar, a ânsia de controlar, o uso, à vez, da lisonja, da bajulação, do aliciamento ou do ataque para lidar com os críticos. Tudo isto gerou um ambiente político podre. E em parte continua no manual de operações do PS (vejam-se os ataques às claras ao Ministério Público).
Não tenho caracteres para evocar as numerosas suspeitas que pairaram sobre Sócrates enquanto primeiro-ministro – enquanto o PS o apoiava caninamente, sem se incomodar com a acumulação de casos esquisitos rodeando o socialista. Porém podemos lembrar várias das medidas de austeridade que o PS começou a aplicar desde meados de 2010 e as que constavam do famoso e infame PEC 4 (porque os PEC 1 a 3 sucediam-se sem estabilizar as contas públicas) e do memorando da troika – segundo Sócrates, e o PS, mais ou menos as mesmas que queria implementar sem troika.
A sobretaxa do IRS, aquela que o PS atual sempre diz que "devolveu" aos trabalhadores? Foi decidida primeiramente em maio de 2010 pelo PS, aumentando cada taxa de 1 a 1,5 pontos percentuais.
O IVA, aquele imposto regressivo que penaliza os mais pobres, cujo rendimento tem maior proporção de consumo? Foi Sócrates que aumentou para 23% em setembro de 2010.
Cortes nos salários dos funcionários públicos? Na mesma altura o PS implementou um corte de 5% na massa salarial do Estado, começando os cortes nos salários a partir de 1500€.
Pensões a partir dos 1500€ objeto de uma Contribuição Excecional de Solidariedade? Também Sócrates. Para 2011 previa, com o PEC 4, 800 milhões de euros de poupança nas pensões. E, claro, foram congeladas.
Corte de 20% no RSI e reduções de prestações sociais essenciais como o abono de família (reduzido nuns escalões e eliminado noutros)? Outra vez o PS.
Diminuição do valor e duração do subsídio de desemprego? PS nestes anos de ouro. Diminuição da despesa na saúde e escolas e congelamento do investimento público? Acertaram: Sócrates.
Maria João Marques in publico.pt
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