February 14, 2024

"Estamos em campanha, temos temas mais prementes que museus e política cultural"? Não, temos temas igualmente prementes

 


Estamos em campanha eleitoral e temos temas mais prementes que museus e política cultural. Evidente: urgências encerradas nos hospitais, miúdos nas escolas com tombos nos resultados internacionais, faltas de professores, grávidas que podem fazer centenas de quilómetros até encontrarem um sítio para o parto, falta de médicos de família, polícias em revolta, prestações do empréstimo à habitação nos píncaros – tudo isto é mais urgente que museus. No entanto, lá por não ser urgente, a política para a cultura continua a ser estrutural.


-----------

O desenvolvimento de um país -económico e social- está ligado ao seu desenvolvimento cultural. Quando se desligam estas duas dimensões temos países escravos de outros a funcionar como seus meros fornecedores de bens materiais e/ou países com muito dinheiro -por exemplo, os países do petróleo- mas sem desenvolvimento económico e social, onde o acesso a bens é privilégio de uma elite que tem dinheiro ou poder político e a vida cívica não existe. Os países onde mais se apoia a cultura são também os países onde mais se apoia uma educação de qualidade.

Em Portugal a maioria dos políticos vê a cultura como trívia, uma espécie de acessório ou de espectáculo de entretenimento e fuga ao dia a dia, mas a cultura (e a educação que lhe está indissociavelmente ligada) é para o ser humano, o que a água é para o peixe, como dizia alguém. E se o peixe não se dá conta que a qualidade da água em que respira, em que se alimenta e nada influencia o florescimento e possibilidades da sua vida (está imerso nela desde sempre), também o ser humano, no geral, não se dá conta da qualidade do contexto em que cresce e de como ele influencia toda a sua vida, desde a sua visão do mundo que forma as suas expectativas até à sua capacidade de evoluir e ter uma acção positiva nele - económica, social, política e filosófica.

Ao ler o programa para a educação do PSD fui dar com com uma referência a um estudo sobre o impacto de um bom professor na educação escolar de um aluno - .edulog.pt/Impacto_Professor_Sum.pdf.
Neste estudo conclui-se que a exposição de um aluno a um bom professor (a um professor eficaz, o que se mede nos bons resultados dos alunos - chamam-lhe impacto VAP), mesmo que apenas no ano de exame, é de molde a fazer com que melhore as suas notas até 70%, mas também as suas possibilidades e condições de vida futura, em porcentagem idêntica. Isto devia ser um alerta para não se deixar cair a profissão nas mãos de pessoas sem formação. A não ser que queiramos Portugal ao nível do ex-ministro de Sócrates que ia a países estrangeiros gabar-se de Portugal ser um país de fraca educação e cultura e, por isso, muito vocacionado para a mão de obra barata.

Quando vemos programas políticos que querem reduzir a educação à aprendizagem da leitura e de fazer contas ou amansar alunos em disciplinas chamadas, Cidadania, impostas por ministros que são um modelo de falta de respeito pelos direitos cívicos alheios, percebemos que a questão que esta jornalista aqui traz, a do MNAC ter as obras encaixotadas ao desprezo, não é secundária, mas premente. Tão premente como as outras que cita. Como sabemos, Camões, o nosso maior vulto literário, também foi encaixotado - que fez o ME, também da cultura? Nada, nadinha.

No comments:

Post a Comment