Estágios pagos vão ficar limitados a regiões onde há falta de professores
Grupo de trabalho que aconselhou o ME na reforma da formação dos docentes discorda da versão final do diploma. Faculdades também estão descontentes.
Samuel Silva
Foi anunciado como um dos trunfos para atrair mais jovens para a profissão de professor, mas o diploma que institui o regresso dos estágios remunerados nas escolas esconde uma surpresa. O Governo só deve autorizar a criação de núcleos de estágio em regiões onde exista escassez de docentes. Ou seja, os estudantes de todo o país terão de ir para Lisboa ou para o Algarve. Este não é o único motivo de descontentamento nas escolas e faculdades de educação. Até o grupo de trabalho que aconselhou o Ministério da Educação nesta reforma está contra a versão final da lei.
As alterações ao regime jurídico da habilitação profissional para a docência foram promulgadas em Novembro pelo Presidente da República. A versão final do diploma, entretanto publicada, apanhou de surpresa as faculdades e escolas superiores de educação, onde são formados os professores.
O diploma faz depender o funcionamento dos núcleos de estágio de um despacho que terá de ser rubricado não só pelo ministro da Educação, mas também pelo das Finanças. O documento ainda não foi publicado, mas, em reuniões mantidas com os ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior nas últimas semanas, as instituições conheceram a intenção do Governo: autorizar apenas a constituição de núcleos de estágio em regiões onde há maior carência de docentes.
Ou seja, na prática, os estudantes finalistas dos mestrados de formação de professores de todo o país teriam de estagiar em escolas da Área Metropolitana de Lisboa ou do Algarve, onde se concentram as maiores carências de docentes.
Os docentes estagiários serão remunerados segundo o índice 167, o primeiro da carreira, que corresponde a um vencimento de cerca de 1600 euros mensais brutos para quem tiver um horário completo. A medida foi usada como um trunfo pelo Governo quando apresentou esta reforma, que pretende responder ao problema da falta de professores.
Com este regime de estágios, “os estudantes usarão a sua remuneração para pagar um quarto barato e pouco mais, em regiões onde o custo de vida é maior do que o da cidade onde vivem. E o resto das suas despesas ficará, como sempre, por conta das respectivas famílias”, lamenta Alexandre Franco de Sá, que coordena o Conselho de Formação de Professores na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Este docente critica o facto de estudantes de mestrados em ensino da sua instituição ou da Universidade do Minho terem de se deslocar para Lisboa ou o Algarve. É também essa a preocupação de Carlos Teixeira, que dirige a Escola Superior de Educação de Bragança: “Tenho alunos do primeiro ano que já me disseram: ‘Se tiver que ir estagiar para Lisboa, não vou.’”
“Não é um princípio bem pensado. A formação de professores foi condicionada pela necessidade de suprir a falta de docentes”, critica Teixeira, que também preside à Aripese, associação que reúne as várias escolas superiores de educação.
“O Governo diz que acabou com os professores de casa às costas, mas quer substituí-los por estudantes de casa às costas”, ilustra, por seu turno, Ângela Lemos, presidente do Instituto Politécnico de Setúbal. A dirigente representa o Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos (CCISP) – sector onde se formam boa parte dos professores – nos contactos com os dois ministérios.
No comments:
Post a Comment