É forçoso que, há décadas, não haja praticamente início de ano lectivo sem furos nos horários, sem falta de professores e sem obras inacabadas? É realmente impossível impedir que haja dezenas, centenas ou milhares de professores colocados ao deus-dará, a dezenas ou centenas de quilómetros de casa, longe dos filhos, dos maridos e das mulheres, em quartos esquálidos, sem sala de estar nem mesa de trabalho? Não é possível prever, com antecedência, a colocação de professores com algum sentido humano, a fim de permitir, não privilégios ou benesses, mas tão simplesmente uma vida asseada, com algum repouso que ajude ao trabalho pedagógico? O facto de Portugal ter quase eliminado o analfabetismo, com 150 anos de atraso, é suficiente para considerarmos normal esta miséria pedagógica, este atropelo administrativo, este permanente desaire escolar, este constante desatino educativo?
É inevitável que as administrações escolares e sanitárias não sejam capazes de prever a demografia dos professores e dos médicos, dos enfermeiros e dos alunos, dos auxiliares e dos estudantes, a fim de antecipar a reforma, a mudança de gerações e a mobilidade espacial? Temos mesmo de nos habituar a esta vida indigente em que faltam professores, médicos e enfermeiros? É normal que quantos mais médicos e professores há, mais faltam?
Estaremos de tal modo intoxicados que acabamos por considerar normal que as administrações não consigam prever as necessidades de profissionais, de mão-de-obra, de técnicos, de especialistas, designadamente de médicos e professores? A resignação é de tal modo fatal que somos incapazes de reagir ao número crescente de emigrantes, de técnicos, de especialistas e de universitários que se vão embora com a certeza de terem sempre melhores oportunidades, mesmo se à custa do sacrifício das migrações?
(...)
Temos mesmo de nos habituar a ouvir ministros, vizinhos da imbecilidade, garantir que estamos a viver melhor do que há 50 anos, que estão a ser preparados planos, que os problemas estão identificados, que as situações mais graves estão sinalizadas, que as estratégias estão a ser preparadas, que novos grupos de trabalho estão a ser criados, que novos recursos financeiros vão ser libertados, que estão todos a trabalhar a fim de que as filas de espera nos hospitais diminuam, que os professores vão ser colocados, que as escolas vão abrir a tempo e horas, que os professores não ficarão a saltar de casa em casa e de região em região durante cinco, dez, 15 anos?
Será que nos habituámos de tal modo à incompetência, à ineficiência e à desigualdade que já não reagimos aos atrasos da justiça, aos anos e anos de espera por que um rico, um político, um malandro ou um poderoso sejam julgados?
Será razoável habituarmo-nos às filas de espera diante das lojas do cidadão, das repartições de finanças, dos serviços de segurança social e de outras repartições da educação, da saúde e da justiça, de Verão e de Inverno, com chuva ou com sol, como cidadãos ordeiros e contribuintes obedientes?
Somos obrigados a aceitar como hábito este desaustinado caminho em que se produz pouca riqueza, em que se cria pouca empresa e se melhora pouco, mas onde, à falta de fazer mais e melhor e na impossibilidade de ter casa e comboio, escola e hospital, distribuem-se vales e bónus? Temos mesmo de nos habituar a crescer devagar, a desenvolver lentamente e a melhorar pouco, tão pouco? Temos de nos contentar com pouco, menos do que os outros? Temos de ficar satisfeitos e gratos com o melhor do que nada? Mesmo?
Má sorte a de sermos um país pobre e pequeno! Triste sina a de sermos mal governados! Sombrio destino o desta estranha forma de vida tão cheia de pobreza e de resignação! E, pior que tudo, este jeito tão nosso de nos habituarmos a tudo!
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