September 16, 2023

Desgoverno



Assiste-se a uma ação política sem coerência, sem equilíbrio em demasiadas opções e sem uma visão para o país, além das circunstâncias, das pequenas mitigações e da distribuição de apoios excecionais a toque de afago aos nichos eleitorais, conquistados e a atrair. E tudo isto acontece com uma narrativa e um discurso político desfasado da realidade, sustentado em realidades parciais ou deliberadamente à margem da vida concreta, ora enunciando princípios contrariados, ora fazendo fé em argumentos modelados em função dos protagonistas políticos em causa ou das suas ações.

Como é possível permitir a persistência de protagonistas políticos que transportam a chancela partidária e as responsabilidades do exercício de funções públicas quando estão, como estiveram no passado, enleados em atos de gestão e comportamentos individuais reprováveis? E o argumento para justificar as distorções é o de nunca ter recorrido aos concursos públicos porque é um processo “mais pesado e mais demorado”. Como é possível permitir tudo isso, enquanto se removeu membros do governo por questões menores ou de forma leviana demitiram na praça pública gestores da TAP numa espiral de inconsistência que custará bom dinheiro ao Estado, antes ou depois da privatização da empresa.

Como é possível persistir num tergiversar entre a máxima regulação e a desregulação em função das matérias, numa espiral geradora de incerteza e de desconfiança em relação às regras que norteiam o funcionamento do Estado, da sociedade e das obrigações individuais, enquanto persistem tensões e bloqueios na saúde, na justiça, na educação e no funcionamento dos serviços públicos?

Na União Europeia, por exemplo, sem capacidade para gerar soluções próprias em tempo útil e competitivas para as pessoas e os territórios, enquanto se impõem orientações gerais para determinar a remoção das empresas chinesas das infraestruturas de telecomunicações e de gestão de dados, permite-se que a Arábia Saudita adquira uma posição acionista de referência na Telefónica, que é a maior operadora de telecomunicações de Espanha, como se as regras e os riscos fossem de geometria variável e não em função de padrões democráticos de escrutínio.

O Mundo, esse está pejado de exemplo, mais próximos ou mais afastados em que os interesses particulares e a necessidade de produzir encaixes financeiros para dinamizar os países se sobrepõem a tudo o resto, não deixando pedra sobre pedra nos patamares mínimos de civilidade que existiam.

Com a anuência de muitos ou um elevado grau de indiferença cívica e institucional, quase tudo é possível, mas é bom que se tenha noção de que aquilo que se está a construir é pior do que a selva.

António Galamba in a-selva-que-estao-a-construir

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