Esta semana, um amigo que também é professor há décadas de cadeiras teóricas (embora numa universidade e num curso de engenharia) dizia-me que hoje-em-dia tem como foco principal conseguir que os alunos fiquem com uma estrutura conceptual fundamental enraizada e que gostava de fazer-lhes uma prova de avaliação, não logo após às matérias serem abordadas, mas uns anos depois porque então é que saberia se o ensino foi eficaz. Concordei plenamente. O que é interessante, pois revela que o que diferencia o público das escolas do das universidades é a didáctica, por conta do estádio de desenvolvimento de uns e outros e da autonomia, não o propósito formativo.
De há muito anos para cá que o meu principal objectivo com o curso de Filosofia no ensino secundário é:
1º - conseguir que os alunos fiquem com uma estrutura filosófica, conceptual e problemática, enraizada: compreenderem a complexidade das problemáticas humanas, a multiplicidade de dimensões do ser-se humano e os conceitos fundamentais à volta dos quais se tentam encontrar soluções;
2º - conseguir que os alunos enraizem alguns hábitos fundamentais de atitude interrogativa, de reflexão, de introspecção e de rigor de pensamento que furem o verniz da aparência.
O primeiro objectivo consegue-se com um trabalho de escavação, digamos assim. Pegar em situações humanas (sejam éticas, políticas, epistemológicas, religiosas, estéticas, etc.) e problematizá-las, o que na prática se faz com discussão crítica. À medida que os alunos vão tentado dar resposta aos problemas das situações, levantar dificuldades, objecções, obstáculos - complicar tudo até nenhum aspecto do problema ficar por analisar.
Isto é muito mais difícil do que parece. Não a parte de encontrar objecções ao que dizem, mas os miúdos vêm com 2 ou 3 respostas formatadas e assim que limpamos essa formatação ficam sem saber o que dizer, porque nunca pensaram nos problemas e até pensavam que tinham uma opinião.
A partir desse momento é preciso levá-los, com só com perguntas, com muita provocação, a entrar nos outros aspectos do problema. Acham tudo estranho.
Ficam confusos com a discussão e começam a dizer que ficaram a saber menos do que sabiam e que é tudo complicado. Óptimo! Essa mesmo isso que queria. Perguntam qual é a resposta certa. Digo-lhes que não há resposta certa, que os problemas humanos são problemas em aberto, mas que podemos aprender a pensá-los, para sabermos lidar com eles sempre que surgem. Leva muito tempo (os dois anos do curso) até que interiorizem esta realidade, da realidade (interior e exterior) ser complexa, aberta e requerer reflexão e nem todos lá chegam.
Não tenho numa intenção de que os alunos cheguem ao fim dos dois anos de Filosofia, com 'opiniões' formadas sobre quem dos filósofos tem razão e isso parece-me até pouco pedagógico em termos de formação filosófica. Parece-me mais importante que tenham ferramentas conceptuais para pensar os problemas na sua complexidade do que tomar partido por uma perspectiva em particular. Nenhum Filósofo, alguma vez, defendeu que a sua Filosofia fosse um ponto de vista.
O segundo objectivo consegue-se com o exemplo. Constantemente interpretar a realidade de maneira a tornar evidente os pressupostos prévios com que se limita a sua compreensão profunda dos problemas. Tudo o que é dito, visto ou ouvido nas aulas é passado pelo crivo da crítica. Tudo tem de ser fundamentado, não há afirmações gratuitas. A começar pelo que eu própria digo e as palavras que uso e porque usei essas e não outras, etc.
Isto é muito difícil, cada vez mais, porque os alunos cada vez têm menos vocabulário e, por isso, menos ferramentas intelectuais para trabalhar os problemas e também, menos maleabilidade mental. Não lêem, não se concentram, cansam-se e desistem logo à primeira dificuldade. Não têm perseverança porque não têm auto-confiança porque nunca ninguém os ensinou a resistir às frustrações. Por conseguinte, no 10º ano, imensas vezes, por cada ideia, cada frase que se diz, tenho que parar e explicar todas os conceitos, ensiná-los a pensar nas palavras como passwords para ter acesso à própria possibilidade de pensar.
Isto é muito difícil. Os miúdos resistem a tudo o que implique o mínimo esforço porque têm zero autonomia, estão habituados a andaram 10 horas por dia pelas redes sociais, passivamente a ser entretidos por espectáculos e vêem para as aulas com esse espírito.
Ensinar, educar e formar alunos são tarefas muito difíceis e as pedagogias cons fins estatísticos deste ME são, neste sentido, uma catástrofe.
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