July 04, 2023

"A “estabilidade” de Costa é a versão portuguesa da paz dos cemitérios"



Pouca gente se lembra, mas, ainda em plena “geringonça”, António Costa disse duas coisas importantes para percebermos estes quase oito anos de vida política nacional. A primeira é que ele não era nem Guterres, nem Sócrates. Ou seja, e para usar uma expressão cara ao meu saudoso amigo José Medeiros Ferreira, Costa não tenciona ser levado em ombros até à porta do cemitério que, no caso daqueles dois, foi o pedido de demissão. A segunda, dirigida a Marcelo, consistiu em frisar que o Governo só depende do Parlamento. Ora, desde o ano passado, o Parlamento passou a depender dele com a maioria absoluta do PS. 
Veja-se o “caso Galamba”. Costa não perde uma ocasião para atirar com Galamba à cara do presidente, mandando-o fazer figura de corpo presente em todo e qualquer evento que meta Governo e Belém. Este narcisismo político teve recentemente o seu apogeu napoleónico. Costa, num exclusivo a uma jornalista que andou com ele ao colo quando era pequenino - convém ter presente que não existe ninguém mais “sistémico”, em funções, que António Costa -, afirmou solenemente o seguinte: “eu sou o garante da estabilidade em Portugal”. 
Na galeria de mediocridades que se sentam no Conselho Europeu, não é difícil a Costa “fazer figura”, deixando correr o tabu de um putativo cargo europeu. Na realidade, Costa só acumula tempo e experiência de poder. Nada mais tem para dar ao país. Numa entrevista, aliás, deixou bem claro que odeia o termo “reformas estruturais”. Nunca fez, nem nunca fará uma como, apesar de tudo, Soares, Guterres ou Sócrates tiveram de fazer. Gere com inteligência o seu tempo político, claro, na proporção inversa de como gere, por exemplo, o PRR multimilionário cuja execução tem sido paupérrima. 
Por isso, fora a dele próprio, não se entende que espécie de “estabilidade” é que ele “garante” a um país que “compra” com os dinheiros que distribui através do contabilista Medina. Entretanto, o Estado está tão autoritário como ele, desde a administração pública central até aos tribunais.

Degrada-se a qualidade do regime democrático que, por si, nunca foi grande coisa. E lubrifica-se a alienação geral através dos meios oficiosos de comunicação social que não possuem a menor pertinência informativa. A “estabilidade” de Costa, que alguns já prometem até 2030, é a versão portuguesa da paz dos cemitérios da dupla Schiller-Verdi. Um oportunismo sem substância que apenas dura.

João Gonçalves. in JN


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