June 28, 2023

Leituras pela manhã - pontuação: ponto de certeza, ponto de amor, ponto de ironia, ponto de dúvida

 

Pontuação, da esquerda para a direita: ponto de certeza, ponto de amor, ponto de ironia, ponto de dúvida, ponto de indignação, ponto exclarrogativo.

L'art de la ponctuation" : de la ponctuation non standard créée par l'agence de design graphique Luciole. - Agence Luciole - Camille Laprée

Há o clássico ponto final, o ponto de interrogação, o ponto de exclamação... Mas há também toda uma área de pontuação que é completamente desconhecida. Conhecida como "pontuação não-padrão", oferece alguns sinais de pontuação surpreendentes, desde o ponto final irónico ao ponto de despeito misturado com tristeza, sem esquecer o exclarrogativo ou o ponto de amor.

A maioria destes sinais surgiu no século XIX, quando os autores, mais especificamente os poetas, se reapropriaram da pontuação. Desde que Gutenberg inventou a imprensa, a pontuação, que tinha sido deixada ao critério dos monges copistas durante toda a Idade Média, tornou-se subitamente normalizada. 

Já não se tratava de pontuar como se queria, mas de seguir regras. Foi o que aconteceu sobretudo no século XVIII, quando gramáticos e tipógrafos se orgulharam de criar uma pontuação moderna, a que ainda hoje utilizamos. 
No século XVIII, surge um aspeto de ordenação do discurso e da dimensão gramatical", explica Myriam Ponge, linguista do Laboratoire d'Etudes Romanes da Universidade de Paris VIII. "A dimensão pré-existente da lógica oral manteve-se durante algum tempo, mas este aspeto desapareceu no século XIX: para os editores, era a lógica e a clareza do assunto que deviam predominar". Em suma, os editores dão prioridade à sintaxe, mesmo que isso implique tornar as frases mais pesadas com vírgulas, em detrimento da pontuação que, até agora, continuou a inspirar-se na oralidade.

A acusação de George Sand

Desde o século XVII, quando os impressores assumiram o controlo da pontuação, muitos autores optaram por deixar-lhes a tarefa, de pontuar os seus textos. Foi a romancista George Sand a primeira a desafiar o controlo dos editores sobre a pontuação. Numa carta, defendeu ferozmente o seu desejo de pontuar como bem entendesse: 
"Já se disse que "o estilo é o homem". A pontuação é ainda mais o homem do que o estilo. A pontuação é a entoação do discurso, traduzida por sinais da maior importância. [...] O instinto do falante inteligente guia-o com segurança e sem necessidade de recorrer a qualquer regra escrita."
A reação dos tipógrafos não tardou. Condenaram "a pontuação sentimental e fantasiosa" e consideraram a disciplina "demasiado importante para ser deixada ao sabor dos caprichos dos escritores, que, na sua maioria, a compreendem mal". Veríamos coisas fantásticas se os autores pudessem assumir a responsabilidade pela sua própria pontuação!

A ironia mordaz dos tipógrafos não impediu alguns escritores e poetas de se debruçarem sobre o assunto. No século XIX, e mais particularmente na viragem do século, os prosadores e os poetas inovaram ao fazer da pontuação, se não o centro das suas preocupações, pelo menos um objeto digno das suas interrogações, quando até então a pontuação e a divisão eram consideradas negligenciáveis".

O principal motivo de protesto de George Sand era sublinhar o facto de que os autores, através da pontuação - parece-nos óbvio hoje, mas não o era na altura - exprimiam parte da sua originalidade", acrescenta Myriam Ponge. É aquilo a que hoje chamamos a voz do escritor, o seu ritmo. Ela tentou defender essa voz contra uma aplicação muito rigorosa das regras".

O escritor abre assim caminho a uma reflexão sobre o lugar da pontuação na literatura, que outros autores e poetas, entre os quais Apollinaire e Mallarmé, irão seguir. Apollinaire suprimiu a pontuação nos poemas de Alcools, assinalando o seu desprezo por estes instrumentos e deixando a letra maiúscula desempenhar o papel de ponto final, enquanto Mallarmé utilizou uma tipografia excessiva no seu poema Calligrammes.

Em 1857, Baudelaire recusou as alterações do seu editor, argumentando que a sua pontuação era original e "serve para registar não só o sentido mas também a declamação". Louis Aragon, cujas Strophes pour se souvenir são desprovidas de pontuação, justifica simplesmente esta escolha: "Gosto de frases que podem ser lidas de duas maneiras e que são, portanto, ricas em dois sentidos entre os quais a pontuação me obrigaria a escolher.

A poesia desafia as convenções impostas pelos tipógrafos. Inicialmente, a pontuação era uma forma de reforçar a escrita e, quando utilizada corretamente, de orientar o leitor", diz a linguista Myriam Ponge. Mas o objetivo dos escritores e das perspectivas experimentais é desconcertar o leitor, convidá-lo a questionar a sua relação com a escrita e as formas de automatismo que tentamos quebrar".

Enquanto os poetas, sobretudo, tomam a liberdade de brincar com a pontuação, ou mesmo de a suprimir, muitos escritores consideram que a pontuação não é suficiente para captar no papel a complexidade da expressão oral. Demasiado ambígua, precisa de ser enriquecida com novos sinais.

Não é, pois, de admirar que, ao longo dos séculos, muitos escritores tenham tentado propor novos sinais de pontuação. Os pontos que abordam não são necessariamente pontos lógicos aos quais gostariam de dar outro valor", explica o linguista. São mais intonacionais, com uma dimensão expressiva. Por isso, vamos tentar alargar o leque do ponto de exclamação ou do ponto de interrogação aos pontos de humor.

Pequeno museu das pontuações selvagens:
No século XXI, a pontuação já não é um problema entre editores e autores, e os designers gráficos e tipográficos são livres de se divertirem com a pontuação sem temerem a ira das gráficas. É exatamente o que propõe o designer tipográfico Thierry Fetiveau, com um magnífico tipo de letra chamado Andersen, concebido para a leitura de histórias infantis, acompanhado de 13 novos sinais de pontuação.


Par Pierre Ropert

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