Como é o site que, de longe, os alunos mais usam, quando me vêm parar às mãos, no 10º ano, gasto tempo a fazer uns pequenos testes e demonstrações com as informações da WIKI, para eles perceberem as suas limitações no que respeita à credibilidade e seriedade das informações e das fontes. (Agora vou ter de desenvolver algo do género para o ChatGPT.)
Há dicionários e enciclopédias online de qualidade mas são académicos, especializadas (por exemplo, a Enc. de Fil. de stanford) e em língua estrangeira. São pouco consultados em geral porque implicam esforço e concentração, o que não se coaduna com a sociedade digital. Em português não há quase nada de qualidade. Há significados de palavras que nem sequer aparecem nos dicionários online e é preciso irmos aos dicionários de papel para encontrá-los. Não sei se é para poupar espaço de internet ou se é só preguiça, mas os dicionários online só indicam o significado mais comum dos termos. E às vezes está errado.
É difícil educar os alunos nesta realidade porque a quase totalidade nunca viu, sequer, um dicionário ou uma enciclopédia de papel, exceptuando uns dicionários de bolso de inglês ou algo do género e acredita que o que está na internet é a totalidade da realidade de maneira que não estão habituados a comparar fontes para aferir da sua credibilidade.
Enciclopédias: mutação ou destruição?
Sim, está muita coisa na Internet, mas não só não está “tudo” como muitas vezes o que está é incorrecto, falso e enviesado.
José Pacheco Pereira
Vejamos o caso das enciclopédias. Não tratamos aqui da função das grandes enciclopédias como manifestação e fixação do “estado” do saber numa determinada época, mas sim das alterações que se verificam no seu papel e uso. No Arquivo/Biblioteca Ephemera, sabemos sem qualquer dúvida que, quando se deitam livros fora ou se despejam bibliotecas, a primeira vítima são as enciclopédias. Compreende-se que, com a diminuição drástica do espaço para livros nas casas de hoje, as enciclopédias ocupam muito espaço. Igualmente, a maioria foi comprada nas últimas décadas para encher espaços com livros grossos, com capa dura, que servem para as fotografias e vídeos de advogados, CEO, escritórios de patrões, para pano de fundo com as mobílias escuras, tudo cheio de gravitas, ou seja, são elementos de decoração, de prestígio, não livros para serem consultados. As editoras responderam em espécie e produziram enciclopédias e dicionários, tudo em vários volumes cheios de pompa e de lombada. Na verdade, não estamos a falar de livros e, muito menos, de saber. Este é um mundo a acabar, no seu papel de pano de fundo, substituído por um largo monitor de computador, caro e cheio de resolução, ou um qualquer ademane da “transição digital”.
Existe a ideia de que “está tudo na Internet”, mais actualizado, mais fácil de encontrar, o que torna as pesadas enciclopédias inúteis. Sim, está muita coisa na Internet, mas não só não está “tudo” como muitas vezes o que está é incorrecto, falso e enviesado. E o que não está é gigantesco, embora admita que este seja um problema de tempo, que pode desaparecer quando o esforço de digitalização avançar e chegar às áreas onde ainda é muito escasso o material disponível. Caso da língua portuguesa, caso, dentro da língua portuguesa, dos autores portugueses, caso do retrospectivo histórico – tudo casos em que ainda são os brasileiros que foram mais longe.
Outro aspecto de que ninguém cuida é a qualidade literária, científica ou ensaística que falta na Internet. A GEPB tinha entre os seus colaboradores António Sérgio, o cardeal Cerejeira, Jaime Cortesão, Rodrigues Lapa, Lopes Graça, Aquilino e, entre os casos célebres de enciclopedistas, está Kropotkine, que escreveu o artigo sobre o anarquismo para a Enciclopédia Britânica. Mas este mundo também já acabou. Hoje já ninguém aparecerá, como Aldous Huxley tinha fama de fazer, a falar, numa semana, das coisas do volume da Enciclopédia Britânica que estava a ler – vulcões, Vulcano, vapor – maçando os seus amigos que, como eram literatos, sabiam muito bem de onde vinha a conversa. Como eu percebo Aldous Huxley.
Embora as comparações entre a Wikipedia e a Enciclopédia Britânica nem sempre sejam favoráveis a esta última, e a peer review não garanta outras formas de enviesamento, principalmente para garantir o cânone conservador em certas áreas do saber, há artigos na Wikipedia seguros e estáveis, principalmente nas entradas científicas, na física, matemática, geometria, química, etc.. O problema são as chamadas “ciências humanas”, ou as questões de actualidade, onde a própria Wikipedia avisa que “a informação apresentada pode mudar com frequência”. Por exemplo, nos artigos José Sócrates, ou Maomé, veja-se a “discussão”, ou na Invasão da Ucrânia pela Rússia, cujas últimas correcções datam de ontem, a permanente instabilidade do texto. Por isso mesmo, em muitas universidades, a Wikipedia não pode ser citada em trabalhos académicos. Como em muitas procuras e consultas em linha, a Wikipedia pode ser útil, mas por quem tenha as literacias e a prudência para consultar textos sem edição ou com escassa edição.
No comments:
Post a Comment