Carisma era um termo religioso obscuro, meio esquecido até Max Weber o ressuscitar para classificar Stefan George, um poeta alemão visionário cheio de seguidores fanáticos, em 1910.
O termo em si vem da Grécia Antiga, charisma [χάρισμα] e significa "favor" ou "dom". Vem do verbo charizesthai [χαρισματικό ]"favorecer", que por sua vez vem do substantivo charis [Χάρις] que significa "graça", alguém abençoado com o dom da graça, o favor dos deuses, por assim dizer.
Mais tarde, São Paulo atribuía «carisma» a Jesus e a Moisés no sentido de terem a graça e a força de Deus.
Weber libertou o termo dessas restrições e alargou-o à sociedade. Viu o carisma a ecoar na cultura e na política, no passado e no presente. Dizia que em alturas de crise, confusão e complexidade, a nossa fé nas instituições tradicionais e racionais desmorona-se e procuramos a salvação e a redenção no fascínio irracional de certos indivíduos. Estes indivíduos rompem com o comum e desafiam as normas e os valores existentes. Os seguidores de figuras carismáticas passam a vê-las como "extraordinárias", "sobre-humanas" ou mesmo "sobrenaturais" e empurram-nas para posições de poder numa onda apaixonada de emoção.
Estas explosões carismáticas são geralmente instáveis e de curta duração mas as mais potentes podem construir mundos e deixar um legado de novas tradições e valores que depois se consagravam em estruturas de poder mais tradicionais. Na sua essência, Weber acreditava que todas as formas de poder começavam e terminavam com o carisma; este impulsionava as erupções vulcânicas de convulsão social. Com esta teoria, Weber sentiu que tinha descoberto "a força revolucionária criativa" da história.
Weber não foi o primeiro a pensar isto, David Hume já tinha escrito muito antes sobre a luta entra a razão e a paixão, onde esta última vence sempre. Mas foi Weber quem trouxe a palavra para a ribalta e está na ordem do dia. No TikTok, por exemplo, o carisma [lê-se Karrizma]
tornou-se um termo viral; abreviado para rizz ou unspoken rizz, refere-se à capacidade de uma pessoa, sem palavras, seduzir amorosamente outra apenas com gestos corporais e expressões faciais. A hashtag #rizz tem mais de 13 mil milhões de visualizações.
Uma palavra sobrevive e prospera porque continua a saciar uma sede explicativa; satisfaz uma necessidade ou um desejo. E qualquer palavra cuidadosamente examinada revelar-se-á como um wormhole [um túnel no espaço-tempo]
- uma troca contínua entre o passado e o presente.
A prevalência do carisma implica uma crença generalizada no seu poder e também na capacidade de indivíduos extraordinários mudarem a história. Os termos de Weber ainda ecoam: Algo de mágico e perigoso, algo de insondável está em marcha quando o carisma está presente. "A questão pertinente", ponderou John Potts, "não é se o carisma existe de facto, mas porque é que existe".
A maioria das pessoas já teve experiência do que é o poder carismático de alguém, mas é difícil explicar o que isso significa, ao certo. Falando de Elizabeth Holmes, da Theranos, Tyler Shultz disse: "Quando ela fala contigo, faz-te sentir como se fosses a pessoa mais importante do mundo dela naquele momento. Ela tem um campo de distorção da realidade à sua volta, para o qual as pessoas podem ser sugadas."
As pessoas também usam o carisma para falar das figuras mais admiradas e inspiradoras das suas vidas e dos professores carismáticos que tiveram. "Aí, a implicação é que essa pessoa me ajudou a tornar-me eu próprio ou a transcender-me de uma forma que, de outra forma, não teria sido capaz de fazer", disse. "É isso que é interessante no carisma: toca nos fundamentos mais obscuros dos impulsos humanos, ao mesmo tempo que tem a capacidade de apontar para os nossos potenciais mais elevados.
Wittgenstein era carismático, todos o referiam. Qualquer coisa no olhar, que Heidegger também tinha.
O carisma tem duas faces e figuras carismáticas inspiradoras podem tornar-se exploradoras, manipuladoras ou violentas. A violência dá lugar à libertação, ou a libertação dá lugar à violência. O problema não é apenas o facto de termos dificuldade em distinguir o bom carisma do mau carisma, mas também o facto de um poder-se transformar-se no outro".
Weber acreditava que, quer fossem religiosos ou não, os seres humanos tinham uma necessidade fundamental de misticismo. À medida que o mundo moderno se tornava cada vez mais secular, industrializado e racionalizado - no seu termo agora famoso, "desencantado" - e que se depositava mais fé numa visão científica desmistificada do mundo do que em deuses, o apelo irracional e místico do poder carismático ainda crescia mais. Isto é evidente na política.
É fascinante o evoluir deste último ano: Putin era um líder carismático, não apenas para os russos, que parecem ter essa tendência para o misticismo nos líderes (Gorbatchev, que lhes fomentou a autonomia e não queria ser adorado, é desprezado), mas também para o Ocidente. A Alemanha, a França e outros países sempre tiveram líderes que pareciam atraídos pelo poder de Putin. Porém, à medida que Putin se transformava num líder carismático negativo, de apelo à violência e à morte, Zelensky saía da obscuridade e crescia em carisma de tal maneira fulgurante que ocupou o lugar de líder positivo do Leste europeu, em primeiro lugar e, depois, de todo o Ocidente.
E porque o carisma negativo atrai a loucura e a depravação, mas não inspira ao passo que o carisma positivo inspira até ao heroísmo e repele a depravação (vá-se lá saber porquê), Putin rodeia-se de criminosos cobardes e Zelensky de corajosos.
São duas faces do carisma: uma tende para a ordem e racionalidade e a outra para a loucura e para o caos. Freud diria que um cresceu em Eros (os impulsos da afirmação de vida) e o outro em Thanatos (os impulsos do abismo e da morte). O problema dos líderes que transformam o seu carisma em Caos e Morte é que arrastam consigo todos os místicos que os seguiam e por vezes deixam um lastro negativo que se arrasta e depois infiltra nas estruturas de poder durante décadas. Veja-se o lastro que os sovietes deixaram...
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