April 05, 2023

Os professores estão zangados?

 

A ira é uma reposta à injustiça; é correcto estar zangado quando se experimenta ou se testemunha uma injustiça; a raiva tem a função política e diagnóstica de nos dizer que algo é injusto. Há verdade na ira. 

Esta tradição argumenta convincentemente e frutuosamente que não podemos pensar na raiva sem pensar no poder, e que, como consequência, a raiva é uma questão política crucial.

Perante a injustiça e a opressão, não devemos sentir mágoa, tristeza, ou medo - devemos é sentir raiva. A raiva motiva a acção. É fortalecedora. Isto é claramente verdade. 
É melhor estar zangado do que ter medo, subjugar-se ou ficar desesperado. 

Mas, e se a raiva se sentir poderosa porque tende a reforçar as formas de poder existentes? E se a raiva for mais susceptível de dar "murros para baixo" [a partir do poder] do que de "murro para cima" [a partir dos oprimidos]?

A emoção que move o opressor parece agora também ser a raiva. O que é que fazemos em relação a um sentimento que conduz tanto à violência desumanizante como à resistência a essa violência?

Numerosos estudos psicológicos sugerem que as pessoas em posições de poder são mais propensas a exprimir directamente a raiva e que as pessoas em posições sociais desfavorecidas são mais propensas a serem castigadas pela expressão da raiva. O poder amplifica a raiva, como há muito sabem as estudiosas feministas.

Desde as eleições de 2016 [nos EUA], a questão do género da raiva tem estado em foco: os homens que expressam raiva são vistos como fortes; as mulheres que expressam raiva são vistas como irracionais. 
O mesmo no que respeita à raça. Um estudo de 2013 sugere que as expressões de raiva são avaliadas relativamente ao "contexto cultural" da pessoa que exprime essa raiva. 
Um estudo de 2022 encontrou um preconceito racial na atribuição da raiva às crianças por parte dos professores. Os negros parecem ser percepcionados pelos brancos, nos Estados Unidos, como se estivessem zangados quando estão simplesmente a falar. As pessoas marginalizadas em espaços dominados por homens brancos heterossexuais, cis, recebem claramente a mensagem de que precisam de regular a sua auto-expressão de formas que atendam às percepções dominantes. 
Existe um fosso entre as fúrias dos que detêm o poder e a fúria dos que não detêm o poder. 

Aristóteles legitimava a fúria dos poderosos, pelo direito que tinham em esperar ser respeitados e obedecidos, os estóicos deslegitimaram a fúria dos homens, pois os homens tinham o poder e, assim, atribuíam-na às mulheres, justamente por não terem poder.

O Rei Lear põe-se numa contradição: quer ser libertado do fardo da autoridade, mantendo ao mesmo tempo a distinção a que está habituado como rei. A contradição não pode durar. Quando Lear encontra os símbolos do seu poder retirados, a sua resposta é um magnífico exemplo de fúria produzida pela perda de privilégios. "Tenho vergonha / Que tenhas poder para abalar assim a minha virilidade, / Que estas lágrimas quentes, que me rompem por força, / te valham a pena", diz ele a Goneril. "Toca-me a nobreza da raiva", diz Lear mais tarde diante das suas duas filhas, chamando-lhes "bruxas antinaturais". A "nobre raiva" é masculina; ser incapaz de agir com tal raiva é tornar-se uma mulher.

A raiva revela a verdade - excepto quando trabalha para a suprimir e negar, para silenciar aqueles que falam a verdade.

Podemos ter boas razões para estar zangados. São as razões e não a raiva, o que importa.

Benedict S. Robinson (excertos)

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