April 26, 2023

O programa de Filosofia precisa de mudanças

 


Há uns anos mudaram o programa meio à toa para alinhavar umas Aprendizagens Essenciais (agradar ao ME) e daí resultou uma coisa sem nexo. Ele já precisava de algumas alterações, mas depois destes remendos das AE necessita urgentemente de mudança. A lógica do programa era esta: no 10º ano abordavam-se os problemas da acção humana (as sociedades humanas e a questão da moral, dos valores e da cultura - relativismo cultural, multiculturalismo, etc.), a questão do determinismo e da liberdade, a ética (teorias deontológicas e consequencialistas), a política (as instituições do Estado democrático, a teoria da Justiça distributiva de Rawls, a discussão de Nozick e de Sandel), a religião e a estética. 

No 11º ano abordavam-se os problemas do pensamento/conhecimento humanos: a Lógica (formal e material), a argumentação e as suas falácias e depois a epistemologia (a natureza dos conhecimento, o valor e limites do conhecimento, a origem do conhecimento, a fenomenologia, a crítica kantiana e o conhecimento científico)

Para definir as Aprendizagens Essenciais cortaram pedaços do programa, assim sem mais, de maneira que perdeu coerência e agora salta-se abruptamente de uns temas para outros. Depois, entenderam passar a Lógica para o 10º ano e aumentá-la significativamente de maneira que agora passamos 3 meses inteiros a dar lógica e às vezes não chegam. 

Como passaram a Lógica para o 10º ano, tiraram de lá a Filosofia da Religião e a Estética, que são dimensões da acção humana e passaram-nas para o 11º ano que é sobre o pensamento/conhecimento. Adeus coerência... Ainda querem que neste ano os alunos façam trabalhos sobre temas da cultura científico-tecniológica e que escrevam um ensaio. Um ensaio para ser feito como deve ser e não ser apenas uma cópia ou um resumo, leva muito tempo a preparar e a fazer. Enfim...

O programa do 10º ano agora é extensíssimo e o do 11º ano é uma manta de retalhos. Era preciso acertar isto. Faz sentido a Lógica ser no 10º ano (aprender a pensar correctamente do ponto de vista formal e aprender a argumentar e reconhecer falácias de argumentação, antes de entrar no pensamento dos filósofos), mas não faz sentido dar aquela quantidade toda de formas de argumentação válidas, por exemplo. Isso podia ser cortado sem nenhum prejuízo. As formas mais importantes do MP e do MT chegam perfeitamente e já estão dadas quando aí chegamos. Ganhavam-se umas duas semanas inteiras.

No 11º ano, o aprofundamento das questões da epistemologia é excessivo. As turmas de Humanidades e as de Artes não se interessam nada pelos problemas da causalidade e ademais as questões de falsa causa e de generalização abusiva já se abordam na Lógica Informal. Também não se interessam por aprofundar os problemas das ciências que se referem, sobretudo às ciências duras. O programa do 11º não é enorme mas é incoerente (este ano, com a situação das greves já perdi mais de um mês de aulas e vou atrasada - no 1º período ia muito à vontade e tinha pensado fazer umas actividades que sei que os alunos gostam, mas isso já foi tudo cortado porque não há tempo.)

Penso que parte do tempo que se dedica à epistemologia de Popper e de Kuhn tinha de ser encurtado. É mais importante, do ponto de vista do aluno, em todos os cursos, discutir os critérios da validade do conhecimento científico, sobretudo neste tempo em que a ciência começa a ser posta em causa por opiniões de influencers, do que sabermos se a ciência evoluí continuamente como diz Popper ou por rupturas epistemológicas como diz Kuhn e depois entrar nessas questões técnicas e de pormenor.

Falta no programa um tema de política, porque a teoria de Rawls é sobre a organização da sociedade de modo a colmatar as injustiças da lotaria social e genética, isto é, se devemos cobrar impostos para financiar serviços públicos e ajudar os que menos têm ou se o Estado deve ser minimalista e velar apenas pela nossa segurança e pouco mais. Isso não chega e faz falta pensar na questão dos modelos de sociedade (democracias, ditaduras, teocracias, totalitarismos e ideologias respectivas) e o que isso implica para a vivência humana. 

Finalmente, o curso de Filosofia (10º e 11º) não tem uma conclusão. Dantes tinha. Costumava acabar o programa com o tema do existencialismo que põe os alunos a pensar no sentido da sua própria existência no mundo em que vivem. Portanto, falta no programa um tema de conclusão sobre o que é uma vida boa, uma vida bem vivida, que é um tema muito interessante, do ponto de vista do aluno e para o qual há contribuições de muitos filósofos.

Em geral levo um mês com cada tema, entre o discuti-lo e fazer as avaliações adequadas. A excepção é a Lógica que come três meses inteiros. Cada ano lectivo tem 7 meses e meio, o que dá cerca de 15 meses para todo o curso (10º e 11º). Tirando 3 para a Lógica, sobram 12 meses, 11 temas - é melhor dar uma folga. 

A minha sugestão é, assim, organizar o curso por temas e resulta em algo deste género.

10º ano:

Tema 1 (um mês e maio) - metade de Setembro e metade de Outubro serve para fazer uma introdução à Filosofia, ao modo de trabalho da Filosofia e um bocadinho da razão da sua existência indo às origens.

Tema 2 (dois meses e meio) - Novembro, a metade de Dezembro e Janeiro: A Lógica que teria que ser encurtada, a Argumentação e as falácias da argumentação.

Tema 3 (um mês e uma semana) - Fevereiro e uma semana de Março: o tema da cultura, da moral, do relativismo cultural, multiculturalismo e valores. Determinismo e liberdade.

Tema 4 (três semanas) - Março: as terias éticas (intencionalistas e utilitaristas)

Tema 5 (3 semanas) - Metade de Abril (a outra metade são as férias da Páscoa) e 1ª semana de Maio: a teoria da Justiça de Rawls.

Tema 6 (um mês e meio) - Maio e metade de Junho: um tema de teoria política - modelos de sociedade (democracias, ditaduras, teocracias, totalitarismos e ideologias políticas.

11º ano

Tema 7 (um mês) metade de Setembro e Metade de Outubro: Filosofia da religião.

Tema 8 (um mês) metade de Outubro e Metade de Novembro: a Estética.

Tema 9 (um mês) - metade de Novembro e metade de Dezembro: os problemas do conhecimento: natureza, valor e limites.

Tema 9 (um mês e meio) - Janeiro e metade de Fevereiro: a origem do conhecimento (Descartes, Hume e Kant)

Tema 10 (um mês e meio) Metade de Fevereiro e Março: o conhecimento científico: critérios de validade do conhecimento científico, Popper e Kuhn (abreviados), comparação com o MO das pseudo-ciências.

Tema 11 (dois meses) metade de Abril, Maio e metade de junho: tema, 'o que é uma vida boa' : propostas de Platão, de Aristóteles, dos estóicos, dos epicuristas, de Nietzsche e dos existencialistas - são exemplos.

Penso também que devia levar-se as aulas até meados de Junho ou mesmo, até fim de Junho e encurtar-se a época de exames. Não há razão para haver duas ou três épocas de exames e ser um aparato que dura 3 meses inteiros. É absurdo


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